setembro 06, 2004

As várias nuances da solidão (parte 2)


HOLA!


A SOLIDÃO NAS ARTES PLÁSTICAS


01- Noite Estrelada - Van Gogh



Van Gogh pintou esse quadro quando estava no asilo para doentes mentais em Saint Remy, local este para onde foi depois do famoso episódio em que ele arrancou a orelha. Estava muito solitário...Imensas estrelas... Um homem mais próximo do céu do que da terra... A cidade lá embaixo tão distante e o céu tão perto e apesar de toda essa solidão expressa, é um quadro extremamente pacífico... talvez pelo símbolo Ying-Yang bem no meio formado por nuvens quase que fantasmagóricas...

Sobre Van Gogh: Mestre do Expressionismo, esse holândes durante os 37 anos de sua angustiada vida, expressou seu desequilíbrio mental em extraordinárias pinturas em cores vivas e pinceladas geniais. Em 1888, começou a sofrer ataques psicóticos e durante uma internação, depois de ter uma discussão com seu amigo Paul Gauguin, cortou parte da orelha. Passou a maior parte de seus últimos anos em clínicas para tratamento mental e finalmente, após um surto de criatividade quando pintou 70 quadros em algumas semanas, deu um tiro no próprio estômago, vindo a falecer dois dias depois.

"Nós não vivemos mais, somos vividos. Não temos mais liberdade, não sabemos mais nos decidir, o homem é privado da alma, a natureza é privada do homem...Nunca houve época mais perturbada pelo desespero, pelo horror da morte. Nunca silêncio mais sepulcral reinou sobre o mundo. Nunca o homem foi menor. Nunca esteve mais irrequieto. Nunca a alegria esteve mais ausente, e a liberdade mais morta. E eis que grita o desespero: o homem pede gritando a sua alma, um único grito de angústia se eleva do nosso tempo. A arte também grita nas trevas, pede socorro, invoca o espírito: é o expressionismo." (Hermann Bahr - 1916)


02- O Grito - Edward Munch



Melhor expressão da solidão, da dor e do desespero de se sentir sozinho.

Sobre Edward Munch: Também grande destaque do Expressionismo, muitos até hoje divagam os porquês do seu quadro mais famoso. Munch deixa claro em uma passagem do seu diário que “O Grito” nasceu de uma experiência que ele teve enquanto caminhava perto de Christiania (agora Oslo) durante o pôr-do-sol. “De repente o céu ficou avermelhado...as nuvens como sangue e línguas de fogo acima do lago azul e da cidade...e eu fiquei sozinho, tremendo de ansiedade...eu senti um grande grito interminável emanando da natureza"...

03- O beijo - Gustav Klimt



Será que existe solidão acompanhada? Às vezes sentimo-nos levados pela correnteza, andamos sem saber por onde, transformamo-nos em seres rastejantes, definitivamente entramos no controle remoto. Acomodamos com o cotidiano, com a rotina e a chama da essência a cada dia se apaga mais e olhamos no espelho à procura do alguém que um dia fomos. "O Beijo" é uma obra decorativa deslumbrante, uma fusão de duas figuras numa só. É um símbolo fascinante da "perda do eu" que os amantes experimentam. Só os rostos e as mãos deste par são visíveis; todo o resto é um grande turbilhão dourado, cravejado de retângulos coloridos, como se Klimt quisesse exprimir em termos visuais a explosão física e emocional do amor erótico.

Sobre Gustav Klimt: Grande nome da pintura na Áustria e representante do Simbolismo, apesar de ser muito censurado pela sociedade conservadora da sua época, ilustrou muito bem a beleza feminina e suas nuances, trabalhando em uma estética de prazer e erotismo de uma sociedade neurótica, hipócrita e frequentemente mórbida.

04- Mulher com uma sombrinha - Monet



Esse quadro foi em homenagem a sua primeira esposa Camille. Na verdade, foram pintadas duas versões: uma delas com Suzanne, filha de sua segunda esposa. Mas, segundo livros sobre Monet, quando ele pintou Suzanne, estaria pensando na primeira mulher, Camille, que havia pintado numa pose semelhante há uns 10 anos.
À primeira vista tão simplório, mas se aprofundarmos nos seus detalhes... O rosto imperceptível da mulher, o vento e o campo retratam certos sentimentos guardados que querem se expressar... Sentimo-nos às vezes como ela, conduzida por esse vento, à mercê do destino ou somos nós mesmos que o traçamos? A solidão nos cerca um momento ou outro, enfrentamo-na ou a aguardamos de braços cruzados sua chegada inevitável? Façam suas escolhas...

Sobre Monet: Pai do Impressionismo, queria captar com diversas cores os efeitos mais fugazes da natureza, além do efeito da luz e do movimento das águas. Sofreu bastante com a miséria em que vivia e pela falta de notoriedade pelo público e crítica. Após longos anos de uma vida sem recursos, conseguiu o almejado sucesso, mas sem a presença da sua amada Camilla, vitimada pela tuberculose. Dedicou-se a construir grandes jardins, que se tornaram fontes inspiradoras de inúmeras de suas obras.

05- No vento e na terra - Iberê Camargo



Muitos confundem solidão com estar só, confundem que está restrita à ausência de um amor ou à sua rejeição. Solidão é muito mais abrangente. Adora a companhia das amigas melancolia, desilusão,fracasso, frustração, tristeza e da mais real de todas, a doença. Doença da alma que corrói os pensamentos, aflige o peito,que faz dos neurônios ovos mexidos. Doença do corpo que carrega a alma junto, diminuindo o ar dos pulmões, o sangue das artérias e veias, o coração descompassa, perdem-se os sentidos, as pernas não nos guiam mais... Perdemos o brilho dos olhos, o sorriso maroto, ficam-se as marcas,rugas e cicatrizes... Tornamo-nos seres isquêmicos de família, de amor e amizade... Passamos a viver em um mundo virtual e finalmente deitamos na relva macia e acolhedora para sempre.

Sobre Iberê Camargo: Representante tupiniquim do meu TOP5 e tão importante quanto os outros citados, foi um dos grandes nomes da arte do século XX. Dono de uma sensibilidade extrema, foi reconhecido pelos seus carretéis, ciclistas e idiotas, e por não se prender a nenhum movimento artístico, apesar de um quê de expressionismo nos seus quadros.

Através dos carretéis, percebemos uma nítida idealização da sua infância. Os ciclistas foi uma fase iniciada após uma tragédia. De gênio forte, Camargo foi abordado na rua por um assaltante, discutiram verbalmente e portando-se de uma arma, sacou-a e matou o meliante. Foi preso em flagrante, mas posteriormente libertado por legítima defesa. Contudo, foi massacrado pela mídia e todos se afastaram do seu convívio.

Dominado por um sentimento de solidão e abandono, voltou para o seu Rio Grande do Sul e do convívio intenso nos parques da cidade com seus frequentadores, principalmente ciclistas, surgiu sua fonte inspiradora. Velozes e muitas vezes sem metas, a não ser pedalar, os ciclistas personificam um pouco do sentimento do próprio artista. Compara-os a si mesmo e revela: "Sou um andante. Carrego comigo o fardo do meu passado. Minha bagagem são os meus sonhos. Como meus ciclistas, cruzo desertos e busco horizontes que recuam e se apagam nas brumas da incerteza"

Por fim, As idiotas é o próprio reflexo do final da sua vida, depauperado pelo câncer. Aquelas caras feias, sem graça, com os olhos perdidos no horizonte, sentados nos banquinhos da pracinha esperam a vida passar, até que a morte os chame. Ele mesmo dissera certa vez "As figuras que ora povoam os meus quadros (elas mesmas são os quadros) nascem da saga, da vida que dói. Elas envolvem-se na tristeza dos crepúsculos dis dias de minha infância, guri criado na solidão da campanha do Rio Grande do Sul". Iberê transformou essas figuras disformes em seus alter-egos, refletindo a solidão, o medo do fim e da morte, a ação erosiva do tempo.


Poema do dia:

"Minha alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o albor da aurora
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora.

E, como rola que perdeu o esposo,
Minh'alma chora as ilusões perdidas
E no seu livro de fanado gozo
Relê as folhas que já foram lidas."
(Casimiro de Abreu)



HASTA!