setembro 10, 2004

As várias nuances da solidão (parte 6)

HOLA!



MEU NOME É SOLIDÃO (parte I)



01- Charlie Chaplin (Carlitos)



Londres... 16 de abril de 1889... Nasce um talento... A primeira apresentação do ator, aos 5 anos, foi cantando uma música no lugar de sua mãe, que havia ficado doente.

Grande ator, roteirista, diretor e produtor cinematógráfico. Teve uma infância duríssima em Londres, vivendo na miséria, morando em orfanatos, com uma mãe, uma atriz mal-sucedida, com problemas psiquiátricos, que mesmo assim mostrou seu talento desde cedo e nos fez ter consciência social sobre as mazelas da vida através do humor. Sua vida pessoal foi bastante comentada e criticada, com vários casamentos, na sua maioria, com mulheres muito jovens, além de ser tachado de comunista.

O gênio do cinema criou a figura mais conhecida da sétima arte, nosso querido Vagabundo, que foi inspirado na infância pobre do próprio Chaplin. Usava um fraque, sapatos grandes, um chapéu e uma bengala que mexia de modo particularmente emocionante. Fez obras primas como Luzes da Cidade (nosso Vagabundo se apaixona por uma vendedora de flores cega), O Garoto, A Quimera do Ouro, O Garoto de Charlot, O Barba Azul; O Circo, Luzes da Ribalta, Opinião Pública e Um Rei em Nova York, dentre outros.

Chaplin abandonou o papel do Vagabundo em Tempos Modernos (sátira mordaz à vida industrial onde interpreta um empregado de uma fábrica supermoderna, que entra em crise, perde o emprego e é obrigado a enfrentar a Depressão Americana). Passou a representar personagens diversificados e esta transição é marcada em O Grande Ditador.

O Grande Ditador foi o primeiro filme de Chaplin inteiramente falado, uma mescla de comédia com uma afiada e irônica crítica política. Chaplin representa dois papéis no filme, o de um barbeiro judeu e o de um ditador, um “Hitler” do país da Tomania.

Segundo Chaplin, "A solidão é repelente. Tem um aura de tristeza, uma inadequação para atrair ou interessar, a tal ponto que nos sentimos ligeiramente envergonhados quando ela nos rodeia. Mas, num grau maior ou menor, atinge a todos." O Vagabundo nos fazia rir, contudo tinha um olhar tristonho, um jeito meio solitário de ser, até hoje me pergunto o porquê? Segundo o escritor Pierre Leprohon, "Sob a imagem de Carlitos, transparece a alma de Chaplin, ou seja, o seu destino, esse profundo sentimento de solidão que faz de um e de outro vítimas da inquietude. A consciência dessa solidão e do seu desesperado inebriamento conferem a Carlitos uma grandiosidade comovedora, sem dúvida porque atrás dessa fantasia poética se esconde o drama interior de Chaplin." Entretanto, continuam minhas divagações... Carlitos era um reflexo da sua vida real ou um pouco de cada nós? Ou seria ambos?


02- O palhaço



No circo das nossas vidas quem não é palhaço? Tornou-se folclórico dizer que o palhaço tem uma alma triste. Sua intenção é nos animar, mas está escondido atrás de tantas máscaras, que sua alegria nos parece surreal. Mas essa tristeza seria derivada da sua solidão? Seu olhar é vago, de alguém que olha para estrelas à procura de um sentido na vida, que diverte os outros para suplantar o vazio do seu peito. Nunca gostei de circo, preferia os parques de diversão. Na apresentação dos palhaços, não ria, solidarizava-me com sua solidão... Lembro do Didi em Saltimbancos Trapalhões naquela cena final na arena do circo... Lágrimas escondidas.. Fragmentos de uma solidão...


03- Holden Caulfield



Personagem principal do livro O Apanhador no Campo do Centeio, de J.D. Salinger, Holden é um ser complexo... Seria muito fácil rotulá-lo como um aborrecente, perturbado, revoltado. Salinger retrata o cárcere de uma vida pós-guerra. Holden não gosta de nada, não pára em um colégio, sente-se preterido, procura um motivo para viver, é imcompreendido, inquieto, sensível, entediado, deprimido, solitário, assumidamente covarde, divertidamente mentiroso, com um humor ácido... Odeia a hipocrisia da sociedade, seus falsos moralismos... Uma decepção inevitável... Às vezes, dá vontade de fugir como ele, fugir de si mesmo e de todos, ser outro alguém..."Eu gostaria de ser um surdo-mudo, para nunca mais ter que ouvir ou falar com ninguém (...)" - dizia Holden...

Seu retrato fiel, de sua relação com família, amigos e a própria vida ou mesmo a perda da inocência, é o trecho em que mostra preocupação com os patos no Central Park: "(...) Eu estava pensando no laguinho do Central Park, aquele que fica lá pro lado sul. Imaginava se ele estaria gelado quando eu voltasse para casa e, se estivesse, para onde teriam ido os patos. Estava pensando para onde iam os patos quando o lago ficava todo gelado, se alguém ia lá com um caminhão e os levava para um jardim zoológico ou coisa que o valha, ou se eles simplesmente iam embora voando."

Seu vazio existencial é denotado em um trecho onde cita "...fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto – quer dizer – ninguém grande – a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice."

Acompanhamos sua viagem de auto-conhecimento, suas encrencas e constatações e chegamos a cena da sua redenção e percepção sobre a impossibilidade dos seus sonhos naquela chuva, ao olhar um carrossel e sua pequena irmã: " Puxa, aí começou a chover pra burro. Um dilúvio, juro por Deus. (...) Mas nem liguei. Me senti feliz de repente, vendo a Phoebe passar e passar. Pra dizer a verdade, eu estava a ponto de chorar de tão feliz que me sentia. Sei lá por quê. É que ela estava tão bonita, do jeito que passava rodando e rodando, de casaco azul e tudo. Puxa, só a gente estando lá para ver." O apanhador no campo do centeio é um exercício sobre o comportamento humano, o fim dos sonhos infantis e a transição, muitas vezes cruel, para a realidade dura da vida adulta. Eu tenho um pouco de Holden em mim e vocês?

** Jake Gyllenhaal interpreta Holden no ótimo filme Por um sentido na vida (The Good Girl). Garoto problemático, tímido, aficcionado pelo personagem principal do livro, que trabalha em um supermercado onde nutre uma paixão pela sua colega entediada e mal-casada, a personagem da eterna FRIEND Jennifer Aniston. Impressionante como o Jake tem um ar entediado, incompreendido, melancólico e soltário em alguns dos seus filmes tais como o citado acima, Donnie Darko e Vida que segue (Moonlight Mile) ...


04- Esther Greenwood



Versão feminina do Holden, a personagem central do livro A redoma do vidro de Sylvia Plath encontra-se aprisionada no seu mundo, a incomunicabilidade ao seu redor. Alter-ego da própria poetisa, A Redoma foi seu único romance, lançado no mesmo ano do seu suicídio, sob o pseudônimo de Victoria Lucas, e é com certeza a sua obra mais famosa.

"É fácil reconhecer Plath nas atitudes, dúvidas e neuroses da personagem. Esther é uma jovem provinciana, aluna brilhante de uma universidade do interior que um dia tira a sorte grande e parte para um estágio em uma das mais glamourosas revistas femininas de Nova York. Mas Esther, que em um primeiro momento mostra-se uma mulher segura e ponderada em meio a um grupo de mulheres fúteis, não resiste ao jogo de vaidades e ao mundanismo do seu grupo. O que poderia ser um mundo de oportunidades torna-se uma prisão opressora. Aos poucos, outros aspectos sombrios de sua vida vão sendo desvelados: o frágil relacionamento com a mãe, a figura inexpressiva do pai e o relacionamento mal resolvido com Buddy Willard, exemplo de um tipo de cretino vaidoso muito comum nos Estados Unidos dos anos 50, que Plath — que sofreu indignidades cruéis nas mãos dos homens — construiu com ironia e desprezo cortantes.

Indecisa sobre seu futuro profissional e assombrada pelos fantasmas do passado, Esther vê a volta para casa como a única solução viável. E é lá, rodeada pela mãe de atitudes burocráticas e um ambiente social pouco afetivo, que Esther chega ao limite e tenta se matar. A partir daí, acompanhamos seu calvário por diversos hospitais psiquiátricos, as sessões de eletrochoque e as crises de insanidade que em muitos momentos — o que é mais assustador — beiram a lucidez. "


Enquanto acompanhamos sua "Via Sacra", seu definhamento, é interessante notarmos que Esther tentava resolver seus problemas tomando um simples banho... Seria uma maneira de lavar sua alma? Uma resolução de vida: conheçam mais seus chuveiros...

Nós, mulheres, por vezes, somos rotuladas como frívolas, exageradas, como se nossa vida fosse uma ópera. Solidão x Carência X Depressão? Nesse jogo não há vencedor. O infarto pode ser uma das piores dores, mas a angústia do embate entre essas prováveis amigas (solidão, carência e depressão) é insuportavelmente dolorosa.

** Sylvia Plath



05- Amélie Poulain



Um moderno conto de fadas... Assim é O fabuloso destino de Amélie Poulain. A história nos conta sobre uma garota que toma para si a responsabilidade da felicidade de todos ao seu redor, entretanto para sua própria vida prefere o conforto e a segurança da solidão... Orfã de mãe... Pai indiferente que confunde a taquicardia de Amélie com uma doença. A felicidade que sentia no contato mais íntimo que mantinha com o pai fazia seu coração palpitar, mas essa felicidade a rotulou de doente. Para muitos o ambiente familiar às vezes sufoca, adoece e o coração bate tão lentamente como um cortejo fúnebre.

"O Destino Fabuloso de Amélie Poulain é sobre personagens que se barricam nos seus cubículos entre cores, caprichos, levezas e superfícies para assustar a solidão e camuflar as ausências." Um filme leve, delicado, sensível, daquele tipo que nos faz pensar sobre a forma com que lidamos com nossa própria solidão. É um filme, em resumo, sobre a solidão. A partir de uma caixa encontrada acidentalmente em seu apartamento, Amélie resolve dar um novo rumo à sua vida, afastando o medo que tinha de se relacionar com as pessoas. Tornou-se cupido, de uma solidariedade exemplar, sempre tentando ajudar os outros, nem que sejam aquelas figuras pitorescas. Contudo, ao carregar essa bandeira do altruísmo, ela também começa a se descobrir e aprende a amar.

Quando assistia ao filme, uma cena em especial me paralisou. Amélie estava à espera do desconhecido que fez seu coração literalmente palpitar e, devido a demora de sua chegada, começou a questionar os motivos do atraso e na sua imaginação fértil pensara que ele fora chamado para uma guerra ou guerrilha e morrido, não podendo ir ao seu encontro... Mais Karinne impossível...

Amélie nos ajuda a abrir a caixinha de segredos dos nossos corações. Sentimentos se confundem... Alegria, tristeza, solidão, atenção, compaixão, esperança... Guarde todos os pedacinhos desse quebra-cabeça, monte-os e comece de novo...


Canção do dia (pra mudar um pouquinho) :

Essa música apesar de uma temática infantil, mostra-nos a solidão inevitável de um amigo do peito que já sofre pela futura ausência do melhor amigo e confidente. Possui tantas qualidades... Para evitar ser redundante (difícil!!), ela é perfeita e sempre choro ao ouvi-la ...


O Caderno

Sou eu que vou seguir você
Do primeiro rabisco até o be-a-bá.
Em todos os desenhos coloridos vou estar:
A casa, a montanha, duas nuvens no céu
E um sol a sorrir no papel.

Sou eu que vou ser seu colega,
Seus problemas ajudar a resolver.
Te acompanhar nas provas bimestrais, você vai ver.
Serei de você confidente fiel,
Se seu pranto molhar meu papel.

Sou eu que vou ser seu amigo,
Vou lhe dar abrigo, se você quiser.
Quando surgirem seus primeiros raios de mulher
A vida se abrirá num feroz carrossel
E você vai rasgar meu papel.

O que está escrito em mim
Comigo ficará guardado, se lhe dá prazer.
A vida segue sempre em frente, o que se há de fazer.
Só peço a você um favor, se puder:
Não me esqueça num canto qualquer."

(Chico Buarque)



HASTA!