setembro 10, 2004

As várias nuances da solidão (parte 7)

HOLA!


MEU NOME É SOLIDÃO (parte II)


01- Elliott Smith



Elliott Smith nos deixou em outubro do ano passado. Muitos nem o conheciam, mas eu me apaixonei por sua voz suave, tristonha após assistir Gênio Indomável. Ao sair do cinema, dei uma de Sherlock Holmes ou de Hercule Poirot e fui vasculhar na net sobre o dono daquela voz que tanto me cativou. Já com a sua ficha completa, usei de todos os métodos ilícitos e adoráveis que a internet nos dispõe... Mesmo assim, adquiri a trilha sonora do filme e a partir daí Miss Misery e Between the bars vivem no repeat do meu som.

Como já disse em um post anterior, Elliott Smith é a tradução literal de uma solidão profunda. Após sua morte, alguns sites lhe fizeram grandes homenagens e vou citar uma mensagem em particular que o define e que me deixou completamente absorta e sem palavras:

"Elliott Smith era feio. Parecia sempre querer esconder seu rosto nas fotos – geralmente posava olhando para baixo – ou então mostrava-se visivelmente desconfortável com a presença da câmera. Quase nunca rindo, simplesmente olhando a lente... canções maravilhosas... compara sua existência a um filme mudo, como se ele fosse o palhaço que perde o objeto que acabou de encontrar e se senta para ter que se levantar logo em seguida, num ciclo eterno e mudo... Gostar de Elliott é gostar de melodia, de uma voz suave, doce, que acaricia seus ouvidos... Em seus discos, letras sobre solidão escritas de uma forma única. A solidão de Elliott era quase filmada... sempre estava inserido como um observador deslocado, sem lugar naquela realidade...

... A solidão, em seu maior peso, que atinge o auge em canções como “Rose parade”, na qual descreve o desfile do qual foi convidado a participar, andando como o coelhinho da Duracell atirando balinhas que parecem dinheiro para as pessoas. Não participa da parada, fica ali, fumando seu cigarro e observando aquele tipo de felicidade (será felicidade?), para concluir que quando limparem a rua ele será a única merda que ficou para trás... Elliott era a alma sensível que a cultura americana adora rotular de loser. E foi cantando suas derrotas que chegou à uma indicação ao Oscar, por “Miss Misery”, parte da trilha de Gênio Indomável, de 1997. Uma canção que impôs respeito apesar de sua letra depressiva: “Eu vou fingir durante todo o dia com a ajuda de Johnny Walker Red/ Enviar a chuva venenosa pelo dreno para colocar pensamentos ruins na minha cabeça”...

... Mais que um exercício literário, era sentimento puro... Me perguntava como um cara tão capaz de observar o mundo, de fazer a gente acordar para realidade quando cantava algo como “ninguém partiu o seu coração, você mesmo o partiu porque não consegue ir até o fim” (“Alameda”) não conseguia achar para si mesmo serenidade... Adeus, menino. Fique bem, Elliott."



** A homenagem completa pode ser vista em Elliott Smith, 1969-2003


02- Ian Curtis (vocalista do Joy Division)



Foi influência para artistas como Morrissey e Renato Russo. Suas músicas versavam sobre enigmas, desespero, melancolia, angústia, dor, solidão, misturados e apresentados de maneira poética e emocionante.

A idéia de formar a banda surgiu em 1976 com os amigos Bernard (guitarrista) e Peter Hook (baixista). Após a passagem de dois bateristas, Stephen Morris assumiu as baquetas e, no vocal, estava "o poeta dos desesperados", Ian Curtis. Joy Division era o nome onde, na Segunda Guerra Mundial, se mantinha as presidiárias e prostitutas para satisfazerem os desejos sexuais dos oficiais alemães nos campos de concentração.

"Joy Division começou a criar uma sonoridade original, fugindo da influência punk inicial, acrescentando ao peso das guitarras a melancolia e o clima dark que lhe seriam característicos. Tudo isso impulsionado pela voz grave de Ian, que, além de um grande cantor, foi um dos maiores poetas do rock, hipnotizando o público ao discorrer sobre temas como solidão, angústia e depressão...

... Muito dessa fama inicial da banda também se deveu ao fato de Ian Curtis ter se descoberto epiléptico. Os shows, agora não muito freqüentes e concorridos, eram realizados com o palco à meia-luz, e os músicos mal se movimentavam. Junto ao clima e as canções lúgubres, a performance de Ian no palco levava o público ao delírio: o cantor dançava imitando os movimentos que fazia durante as crises da doença...

... A poesia de Ian Curtis se revela cada vez mais aprimorada, refletindo o seu estado de espírito desolado e confuso. Em faixas como “Disorder”, ele canta “New sensations bear the innocence/ Leave them for another day/ I've go the spirit/ Lose the feeling/ Take the shock away” (“Novas sensações arcam com a inocência/ Deixe-as para um outro dia/ Tenho que levar o espírito/ Perder o sentimento/ Levar um choque novamente”). Em “Insight”, Ian fala de sonhos e niilismo: “Guess the dream always end/ They don't rise up, just descend/ But I don't care anymore/ I've lost the will to want more” (Acho que o sonho sempre termina/ Eles não ascendem, apenas descendem/ Mas eu não me importo mais/ Perdi a vontade de querer mais)...

... Nas letras, Ian Curtis continuou expondo a sua depressão e o seu mundo interior repleto de mágoas, em faixas como “Isolation”, sobre a solidão: “Surrendered to self-preservation / From others who care for themselves / A blindness that touches perfection / Appears just like anything else” (“Rendido à autodefesa / Daqueles que só se preocupam consigo mesmos / A vida quando alcança a perfeição / Parece-se com quase todo o resto"). Ou em "A Means to an End", em que Curtis parece alertar sobre o seu fim próximo: “A house somewhere on foreign soil / Where aching lovers called / Is this your goal, your final needs / Where dogs and vultures eat? / Committed still, I turn to go / I put my trust in you” (“Uma casa em algum lugar em solo estrangeiro / Aonde amantes magoados chamam / Sua parada é lá, sua meta final / Aonde comem os cães e os abutres? / Ainda poderei, eu vou partir / Eu deposito minha confiança em você")..."

A epilepsia, problemas familiares, adultério, separação, abuso de drogas, tudo culminou com sua morte com apenas 23 anos. Enforcou-se e tornou-se mito para uma geração. Quem nunca ouviu o grande hit do Joy Division Love will tear us apart sendo cantado por outras bandas? Certas canções são eternas...

Após a morte de Ian, o restante da banda formou a, até hoje, consagrada banda New Order. Tenho certeza que se o Ian ouvisse Bizarre Love Triangle iria surtar... Mais Ian Curtis impossível...


03- Álvares de Azevedo



Representante-mor do Mal do Século, a conhecida segunda fase do Romantismo brasileiro, foi discípulo de Byron e produziu uma obra poética de alto nível, onde relatava sua insatisfação com o mundo real, toda sua solidão, tédio, tristeza, melancolia e seu fascínio pela morte.

"Sua obra tem uma linguagem inconfundível em cujo vocabulário são constantes as palavras que expressam seus estados de espírito, a fuga do poeta da realidade, sua busca incessante pelo amor, a procura pela vida boêmia, o vício, o culto à solidão, a morte, a palidez, a noite, a mulher... "

"Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz o dobre de um sineiro..."

"Parece-me que vou perdendo o gosto,
Vou ficando blasé: passeio os dias
Pelo meu corredor, sem companheiro,
Sem ler, nem poetar... Vivo fumando.
Minha casa não tem menores névoas
Que as deste céu d'inverno... Solitário
Passo as noites aqui e os dias longos..."



04- Rita Hayworth




"Os homens vão para a cama com Gilda, mas acordam comigo"...
Essa frase célebre da atriz me martela por longo tempo... E é dela também a seguinte frase " Todas as mulheres têm uma certa elegância que é destruída quando tiram a roupa". Seria Gilda ou a roupa como uma segunda natureza ou uma segunda fisionomia que se sobrepõe à verdadeira? A roupa, assim como a maquiagem, permitem assim criar um ser humano idealizado, que se aproxima de uma perfeição que esconde a verdadeira identidade de cada um.

É algo muito pessoal dizer que uma atriz que irradiava, em todos cantos do mundo, sua beleza, alegria, carisma e simpatia seria, na verdade, solitária. Mas é uma questão de olhar... Fixo-me nele e vejo máscaras, pó de arroz, blush, mas não consigo reconhecer a mulher por detrás da personagem. Diziam que ela era bastante tímida e insegura... Motivo para tantos casamentos desfeitos? Penso que também se sentia entendiada por ser apenas um sex symbol e não ser reconhecida pelo seu talento como atriz. Foi acometida precocemente, aos 42 anos, pelo Alzheimer. Muitos confabulavam que suas aparições cada vez menos freqüentes eram devido ao alcoolismo... Boato ou verdade? Mas o Alzheimer é a doença da solidão. Doença degenerativa do cérebro que acarreta na perda progressiva das funções intelectuais como, por exemplo, a memória, e também das funções físicas. Gradual e progressiva perda da memória... A mente em trevas... Solitária... Dependência para se vestir, comer... Instabilidade do humor... Parecia instável, neurótica, completamente alcoolizada... Aquele olhar mais perdido ainda...


05- Frida Kahlo



Lembro que tinha uns 13 a 14 anos, quando conheci Frida Kahlo em um lugar totalmente inesperado. Estava em um salão de beleza (cabeleleira, pro sexo masculino desinformado), uma fila de espera enorme para cortar o maldito cabelo e fazer hidratação (coisas de mulher... salão, meu fiel amigo e inimigo do meu bolso), peguei aquelas típicas revistas de salão (Caras, Contigo, Quem, Nova, Cláudia, Marie Claire) e comecei a folhear. Uma foto, ou melhor, um quadro, me chamou atenção. Uma mulher com olhos tristes, com nítida expressão de amargura, solidão e insatisfação. Comecei a ler sua biografia e a cada trecho mais me tornava fã dessa grande mulher.

Nasceu no México em 1907 e ainda criança, foi vítima de poliomielite que causou uma atrofia na sua perna direita, deixando-a coxa. Desde cedo, interessou-se pelas artes e pela política e tinha uma mentalidade à frente do seu tempo. Aos 18 anos, sofreu um grave acidente de ônibus. Com fraturas múltiplas e tendo o corpo atravessado por uma barra de metal que lhe atingiu a coluna vertebral, passou por uma série de cirurgias, um quadro arrastado, bastante grave e com prognóstico reservado. Contudo, ela conseguiu sobreviver e durante o período de convalescença começou a pintar para aliviar a dor e esquecer o tédio de estar presa a uma cama. Todavia esse grave acidente a limitou até os fins dos seus dias.

Legítima integrante das mulheres cabra da peste, conseguiu voltar a caminhar, mesmo com dificuldades. Resolveu procurar o famoso muralista mexicano Diogo Rivera para dar uma guinada na sua carreira artística. Impressionado pelo seu talento, Diogo não só se encantou com a pintora, como também com a mulher Frida Kahlo. Sua carreira e sua vida pessoal finalmente se acertam.

Embora casados e apaixonados, Diego tinha outras mulheres. Frida, pela sua beleza exótica, também atraía homens e mulheres. Apesar dos relacionamentos extraconjugais, ambos se mantinham unidos e sentiam admiração mútua por seus talentos. Quando se separavam, a saudade de Rivera se refletia em quadros. Uma das suas maiores frustrações era não poder ter filhos devido a sua saúde delibilitada pelas seqüelas do acidente. Chegou até engravidar algumas vezes, mas sofreu abortos espontâneos, retratando-os em um dos seus mais belos quadros.

Apesar de apaixonada e ser casada por um pintor reconhecido e admirado por todos, Frida era uma mulher independente, de brilho próprio, de temperamento forte. Adorava a boemia, festas, cantar, beber. Teve amantes de ambos os sexos, muitos deles envolvidos com o meio artístico, todavia essa flexibilidade conjugal foi maculada após a traição de Rivera com sua irmã. Separaram-se, mas ainda assim continuaram muito ligados.

Frida costumava dizer que havia sofrido dois grandes acidentes em sua vida: um deles foi a batida do ônibus e o outro, Diego. Divorciaram-se em 1940, e voltaram a se casar um ano depois, união que foi mantida até a morte da artista em 1954.

"Mesmo com uma obra extremamente subjetiva, marcada por auto-retratos e representação de emoções muito específicas de momentos pontuais em sua vida, a artista inseria elementos da identidade cultural mexicana em seus trabalhos. Seus quadros são caracterizados por cores vivas, especialmente tonalidades de vermelho e amarelo, com traços firmes e marcados. São recorrentes os temas ligados ao sofrimento físico, com intervenções da medicina, tão presentes em sua vida. Sobre a pintura de auto-retratos, ela afirmava que se sentia muito sozinha e, afinal de contas, o assunto que mais conhecia era ela mesma. Nas pinturas, a artista não tinha pudores em explicitar sangue, órgãos e outras representações torturantes. A maioria dos trabalhos revela a visão de Frida sobre si mesma e sua realidade."

Em seus quadros, Frida disseca a alma feminina. Apunhala mais ainda a ferida ao abordar questões que sempre tentamos ocultar, que nos perturbam... complexos, medos, frustrações, desejos, sensações de poder e submissão, vaidade, sensualidade, força, dor, solidão, sedução, alegria e insatisfação, beleza, amor, etc. Quando se retratava em quartos, esses eram frios e refletiam a sua própria solidão.

Sua última frase em seu diário foi uma constatação do alívio que traria sua morte... "Espero a partida com alegria... e espero nunca mais voltar... Frida"

Há uma frase de Nietzsche que poderia resumir muito bem a obra de Frida: "Quem quer que haja construído um novo céu, só no seu próprio inferno encontrou energia para fazê-lo!"

** Coluna Partida (1944)

"Neste auto-retrato, uma coluna jónica, partida em vários pontos, toma o lugar da coluna fraturada de Frida Kahlo. A abertura do tronco, os espinhos e o colete ortopédico, a par da paisagem desabitada, tornam-se símbolo do sofrimento e solidão da artista."



Citação do dia:

"... Digam o que disserem, o mal do século é a solidão. Cada um de nós imerso em sua própria arrogância, esperando por um pouco de atenção".

(Trecho da música Esperando por mim - Legião Urbana).


HASTA!