janeiro 03, 2005

As várias nuances da solidão (parte 10)


HOLA!


A SOLIDÃO ATRAVÉS DOS LIVROS







Tenho uma dificuldade absurda para fazer alguma resenha sobre um filme que vi ou um livro que li há algum tempo, já que simplesmente trava. Filme ainda sai depois de uma pesquisa básica pela net, todavia em relação aos livros é um bloqueio total. Portanto, faria das palavras do Guilherme as minhas palavras, porém por motivos pessoais, acabou não acontecendo e eu não poderia deixar esse post morrer.

Um dos primeiros livros que li sobre solidão foi Sozinha no mundo do saudoso Marcos Rey que me fez tomar gosto pela leitura através da deliciosa coleção Vaga Lumes. Ainda criança, descobri com a Pimpa o que era a solidão.

Muitos livros falam sobre a solidão, mas não estão restritos a ela, sendo bem mais abrangentes. Pertencem a tal grupo, o meu favorito A Montanha Mágica, do Thomas Mann; O apanhador no campo do centeio, do J.D. Salinger; A redoma de vidro, da Sylvia Plath; Vidas Secas, de Graciliano Ramos e outros... Até O Diário de Bridget Jones e o juvenil A Marca de uma lágrima têm vários quês de solidão...

Vasculhei a net atrás de resenhas dos livros que abordam sobre a solidão, entretanto como não sou mais uma leitora assídua, certamente alguma obra mais relevante sobre o tema vai acabar não sendo citada. Vale ressaltar, por fim, que li todos os livros citados e que a ordem abaixo foi realizada aleatoriamente. Ficou um texto frio, impessoal e burocrático (culpa do Brito), mas esse post tinha que existir para que eu pudesse postar o último da saga (menos, Karinnéa!!).


01- A redoma de vidro

(fonte: JC OnLine / SCHNEIDER CARPEGGIANI)

Em um de seus poemas mais famosos, a americana Sylvia Plath escreveu: "Morrer é uma arte, como tudo o mais. Nisso sou excepcional". Se essa `arte de morte' fosse transformada em um quadro, exibiria a imagem de uma mulher utilizando-se do gás de sua cozinha para se matar ou ingerindo o maior número de pílulas possíveis. A primeira dessas imagens foi a forma como a poeta escolheu para se matar, aos 30 anos, em 1963. Já a segunda, marca a personagem principal do romance, quase autobiográfico, A Redoma de Vidro (The Bell Jar; Editora Record; R$ 28,00), que está sendo relançado no Brasil este mês.

A Redoma de Vidro foi o único romance escrito por Sylvia Plath, lançado no mesmo ano do seu suicídio, sob o pseudônimo de Victoria Lucas, e é com certeza a sua obra mais famosa. O livro retrata o período que a autora - aqui, também protegida pelo nome de Esther Greenwood - passou em Nova Iorque, como editora-convidada da revista feminina Mademoiselle Magazine.

SURPRESA AMARGA - Para os leitores acostumados ao teor cortante de sua poesia, o início `singelo' de A Redoma deixa no ar a impressão de um livro sobre problemas de adolescentes. Mas quem prestar atenção em um trecho da primeira página do livro ("Nova Iorque já era bem ruim. Pelas nove horas da manhã, o falso frescor úmido da madrugada, que de uma forma ou de outra se infiltrara durante a noite, desaparecera como os instantes finais de um lindo sono"), vai perceber que a autora já quer dizer que a vida começou a falhar.

Passadas as primeiras intenções, e as primeiras cem páginas, A Redoma se torna uma pesada viagem ao cérebro de quem não sabe como se adaptar ou se comunicar com o resto da humanidade. Em um de seus trechos, a personagem chega a afirmar que o mundo é uma experiência sempre ruim para quem vive dentro de uma `redoma de vidro'. E não é só no conteúdo das suas páginas que o livro é barra pesada. Durante o tempo em que ele foi concebido, a autora sofreu um aborto, uma operação de apêndice e o nascimento do seu segundo filho.

Mesmo sendo um livro com uma temática tão forte, quanto é a do suicídio, A Redoma tornou-se um verdadeiro clássico para os adolescentes americanos. Naquele país, o livro é quase tão popular quanto O Apanhador no Campo de Centeio, de Salinger. Na internet, por exemplo, é possível encontrar sites de adolescentes discutindo trechos da obra.

RAZÃO OCULTA - A razão de toda essa identificação talvez resida, não no suicídio em si, mas no fato de Esther Greenwood se sentir aprisionada em seu próprio mundo, sem conseguir comunicação com as pessoas ao seu redor, assim coma a personagem de Salinger. Outros aspectos em comum são as idades aproximadas das personagens principais; o fato do livro se passar em Nova Iorque; e a sinceridade como elas dividem as suas angústias com o leitor.

Apesar de ser a obra mais famosa de Sylvia Plath (80 mil exemplares vendidos só no ano de sua publicação nos Estados Unidos), que a consolidou como um mito literário, A Redoma foi responsável por fazer muita gente se esquecer que ela é acima de tudo uma grande poeta. Além disso, o livro foi um dos pivôs da grande especulação da mídia em relação ao seu suicídio, na época. Com um romance de sucesso e uma morte prematura no auge da carreira, logicamente que a interpretação de sua obra foi avaliada por olhares bastante reducionistas.




02- Nossa senhora da solidão

(fonte: IG LER/Carolina M. Schreier)

Apesar de integrar a "Coleção Negra" da Editora Record que abrange romances policiais, esse livro ultrapassa a tênue linha que classifica os genêros literários. Certamente não pode ser classificado de policial, thriller psicológico ou ainda mistério, mas tem um viés de suspense: o que teria acontecido com a escritora Carmen, escritora de meia idade, famosa no Chile e no México? Teria sido vítima de um sequestro político-nada surpreendente dado seu relacionamento com um guerrilheiro, seu amante no passado? Teria sido morta em plena Miami após a Feira Internacional do Livro? Teria se suicidado em meio a mais uma de suas crises existenciais? Teria simplesmente sumido?

Para destrinchar esse desaparecimento surge Rosa Alvallay, detetive particular, divorciada, mãe, uma mulher como tantas outras que batalha o dia a dia para sobreviver no mundo. Rosa envolve-se de tal maneira com o caso que passa a se identificar com aspectos da personalidade de Carmem que são desvendados ao longo da investigação e que ela própria ignorava existir. O marido, a enteada, a melhor amiga, o escritor misterioso, todos dando pistas desencontradas, um verdadeiro enigma, para que Rosa possa entender a personalidade da desaparecida e responder: onde está C.L Ávila?

O livro tem uma característica bastante latina: é um livro "colorido". Sobressaem os cenários com espectro de cores que variam do vermelho e azul "ensolarados e frescos" de Oaxaca- cuja padroeira é a Nossa Senhora da Solidão -, ao cinza "poluído e abafado" de Santiago.

Essencialmente feminino na forma e no conteúdo, esse livro trata tanto da solidão quanto da liberdade, o quanto essas duas estão intimamente ligadas e a busca de um santuário acolhedor para as almas que não tem espaço. As inúmeras referências literárias enriquecem ainda mais essa história extremamente bem escrita, de uma sobriedade poética ímpar.

Marcela Serrano destaca-se como uma das mais vibrantes e criativas escritoras da moderna literatura chilena, tendo sido premiada na Feira de Guadalajara no México, a mais importante do mundo em lingua espanhola.



03- Cem anos de solidão

(fonte:Webwriters Brasil)

José Arcádio Buendía e sua esposa, Úrsula, estão entre os fundadores da cidade de Macondo. Aureliano Buendía, um de seus filhos, torna-se o líder de uma revolução que pretende tomar o poder no país. Aureliano é o fio condutor da saga da estirpe dos Buendía, uma família de sonhadores e solitários.

Você se lembra das histórias que sua avó contava quando você era criança? Histórias assim são o ponto de partida de García Márquez para compor o universo fantástico de Cem Anos de Solidão. Reminiscências da infância e passagens que misturam o imaginário da criança à dura realidade do adulto.

Um caldeirão criado com maestria pelo autor, o grande nome do realismo mágico. É misturando realidade e magia de uma forma inacreditavelmente convincente que Márquez faz emergir deste caldeirão a melhor mistura já criada pela literatura latina. Neste caldeirão fervilham temas diversos, contemporâneos, fascinantes: Como os misteriosos ciganos que parecem estar sempre à frente de seu tempo, conferindo o mesmo peso à ciência e à intuição. Ou a política, o poder, que parecem constituídos de valores idênticos em toda a América Latina. As revoluções populares e seus ideais são questionados. Há tirania, repressão e colonialismo econômico. Ou ainda, como a família e seu núcleo de onde surge o principal tempero do conteúdo do caldeirão de Márquez. É ali que encontraremos, mais uma vez, todas as paixões, mistérios e contradições humanas.

Os personagens se multiplicam na mesma proporção que a família cresce, geração após geração, em uma sucessão interminável de josés-arcadios e aurelianos, para desespero de Úrsula, a matriarca dos Buendía, que transcende a passagem do tempo e aprende a conhecer a personalidade de cada homem da família pelo nome que receberam na infância. Os josés-arcadios serão sempre sonhadores enquanto os aurelianos, serão irrecuperáveis solitários. E suas mulheres serão passivas em princípio, mas usarão seu poder intuitivo e sensual para se tornarem as verdadeiras protagonistas da narrativa. Como a própria Úrsula! Esta sensualidade, conduzida pelas personagens femininas, determinará parte da magia da história. O sexo, a paixão e o desejo incontrolável surgem de forma arrebatadora. As cenas de sexo são narradas com firmeza, construídas com uma beleza exasperante. Essa luxúria sem medida, esse tesão ameaçador - como é o sexo em nossas próprias vidas - criará a última personagem com o sobrenome Buendía, um pequeno monstro concebido no incesto.

Mas isso não fará a menor diferença uma vez que "as estirpes condenadas a cem anos de solidão não terão uma segunda oportunidade sobre a terra".



04- Vidas Secas

(fonte: Cultura brasileira )

Em nenhum outro romance Graciliano é mais humano e presente do que em Vidas Secas. Aproveita-se da narração em terceira pessoa para marcar o plano literário e não deixar dúvidas quanto à sua presença, ao descrever a vida de uma família de sertanejos fugitivos da seca, sem destino e sem outras perspectivas para além da sobrevivência e do eterno retorno. Às vezes, ele aparece do lado de fora dos personagens comentando a vida de Fabiano, de Sinhá Vitória, dos meninos e da cachorra Baleia, às vezes aparece confundindo-se com os pensamentos de um ou de outro personagem e às vezes como a consciência coletiva do grupo.

Esse comando de ação perpassa todo o romance, retalhado em capítulos interdependentes entre si, mas autônomos do ponto de vista literário. O livro não se compõe de uma narrativa só, mas de várias narrativas nucleares seccionadas, em que os fatos terminam em si, não surgindo para ocupar lugar numa cadeia de acontecimentos com um princípio, um meio e um fim. Os dramas focalizados não evoluem em qualquer sentido, mas acontecem diante do leitor e se exibem em sua inteireza, dando a idéia de um cenário completo.

É aí que ele dissolve qualquer excesso retórico em favor de uma linguagem seca, áspera e poética, quase toda produzida em monólogos interiores pelos personagens, inclusive os animais, que são apresentados um a um à medida que o texto avança. A linguagem monológica ascética funciona para revelar os dramas reais da família diante da inacessibilidade, da estrutura de miséria em que vivem, da falta de comunicação que os impede de avançarem.

O que intimida e encanta neste romance - mais do que a sua estrutura estilística - é a capacidade do autor em expressar, através de cada personagem, o problema da comunicação e a solidão. O cuidado em focalizar cada um dos personagens isoladamente indica a solidão e o primitivismo vivido pelo grupo, como resultado dos toscos e ineficientes meios de sociabilidade a que tiveram acesso. Assim, apesar de partilharem misérias, afeições e espaços comuns, os personagens vivem entregues ao seu próprio abandono, já que não conseguem articular mais do que rudes palavras, exclamações, insultos ou interjeições.

É enfatizando o aspecto da precariedade da comunicação verbal que o autor dá a medida da barreira que isola os personagens. Tem lugar, dentro do romance, um corpo a corpo dramático dos personagens que precisam de se exprimir para o atendimento de suas necessidades básicas, e as palavras que, como entidades autônomas, se transformam em verdadeiros obstáculos com sentidos míticos.

Ao mesmo tempo demonstra de maneira invulgar que, apesar do primitivismo em que vivem e para onde retornam a cada caminhada, estas personagens possuem as mesmas emoções, sentimentos e sensibilidades que os chamados homens evoluídos.

Trabalha, por isso, a linguagem a dois níveis. No nível externo, as palavras não passam de tentativas inacabadas de diálogo, enquanto no nível interno os diálogos evoluem sem erros lingüísticos, com coerência e uma extrema capacidade de visualização do mundo e dos homens.



05- O velho e o mar

(fonte: Com Ciência /Sara Nanni)

A relação do ser humano com o mar e a luta pela sobrevivência, empreendida pelo homem são elementos centrais da narrativa de O Velho e o Mar, escrito por Ernest Hemingway em 1952. Desafiado pelos pescadores mais jovens, o velho Santiago sai ao mar aberto de Havana, em Cuba, para provar aos companheiros que ainda pode fazer pescarias bem sucedidas. Com mais de 84 dias sem fisgar peixe algum, ele sente-se obrigado a provar aos outros que ainda é vigoroso na profissão. Lança-se aos perigos do mar. Com pouca água para beber, alimenta-se de golfinhos e peixes voadores. Luta com os tubarões, o sol forte que vincara sua pele durante a vida inteira e a solidão do mar. Fingindo que conversa com alguém, fala em voz alta fatos do passado. Espera que um peixe grande fisgue o anzol atraído pela isca que ganhara do garoto Manolín, aprendiz e companheiro da pesca, que abandonara o velho por exigência da família. Obrigado a acompanhar pescadores com mais sorte, Manolín teve de abdicar do saber de Santiago.

A vida inteira o velho esteve no mar, empreendendo lutas e saindo-se vitorioso. Conhecer as marés, as mudanças climáticas, a localização dos cardumes e o comportamento dos peixes havia dado a Santiago um passado de vitórias. No entanto, faz contraponto ao seu esforço a vida de privações do pescador. Mora num casebre e dorme sobre uma cama que não passa de jornais velhos amontados e ressequidos. O que teria levado o pescador a essa situação? O mar teria sido traiçoeiro com ele, impedindo que dele tirasse riqueza suficiente para que pudesse sobreviver? A ganância dos homens teria abusado dos recursos do mar, devastando seu próprio sustento? O velho e o mar não dá respostas a essas perguntas, mas esclarece a essência da vida do pescador e da pesca. É preciso conhecimento, mas também é preciso sorte. Há tempos em que a produção é baixa e o sofrimento do trabalho raras vezes é recompensado materialmente. Há aqueles favorecidos que, em épocas de excelente pescaria de determinada espécie, conseguem comprar sua própria embarcação e apetrechos modernos. Porém, a maioria não possui meios próprios de trabalho, faz as pescarias em barcos de terceiros e fica a mercê dos preços oferecidos pelos atravessadores. "A vela fora remendada em vários pontos com velhos sacos de farinha e, assim enrolada, parecia a bandeira de uma derrota permanente", conta o início da narrativa.

Assim como todas as outras personagens criadas pelo escritor, Santiago também se defronta com a "evidência trágica" do fim. Após passar vários dias em alto mar em seu pequeno barco a vela, ele enfim consegue capturar o maior peixe que já havia visto na vida, com mais de 5 metros de comprimento. São dias e noites de luta, tentando vencer a força e a resistência do peixe, ficando quase cego diante do sol forte e sem o movimento de uma das mãos, já cortadas em razão da força com que segurava o animal pela linha. Depois de amarrá-lo no barco, ele é perseguido por vários tubarões até próximo à costa. Ele consegue livrar-se de todos, mas a todo o momento corre o risco de ser morto. O pescador chega exaurido à praia com apenas o esqueleto do peixe que havia capturado. Os outros pescadores medem o comprimento do que restou do peixe e Santiago passa a ser admirado por todos. Mais do que a luta com o peixe, o que Santiago empreende no mar é a luta consigo. Paciência diante de dificuldades quase intransponíveis, sabedoria e persistência são elementos que lhe garantem sobrevivência diante do trágico.

Embora tenha conseguido provar aos outros sua capacidade como bom pescador, o velho tem a visão nítida de como é sua vida. Luta infindável que, apesar das vitórias, garantindo-lhe a sobrevivência, relega a ele a dor e a busca eterna de uma vida melhor.

Reminiscências do escritor
"Tudo o que nele existia era velho, com exceção dos olhos, que eram da cor do mar, alegres e indomáveis", assim é descrito Santiago. Alguns críticos de literatura contam que o personagem Santiago foi, na realidade, Gregorio Fuentes, que fora capitão do barco de Hemingway durante os 30 anos que o escritor viveu em Cuba. Conheceram-se em 1928 e, dois anos depois, Hemingway contratou o pescador para ser cozinheiro e capitão do seu barco "Pilar". Antes de regressar aos Estados Unidos, em 1960, o escritor teria dito ao amigo: "toma conta de ti, como sempre soubeste fazer".

Visto como atração turística em Cuba após o lançamento do livro, Fuentes decidiu doar o barco ao governo cubano após o suicídio do escritor, em 1961. Ele está exposto em frente à casa onde Hemingway viveu, perto de Havana.

Dois anos após a publicação desse livro, que se tornou um clássico da literatura contemporânea, Hemingway recebeu o prêmio Nobel de Literatura.



* O quadro acima é do grande Edward Hopper.


Poema do dia:

O que é Solidão?
É ficar sozinho,
Ou se sentir só, numa multidão?!...

Hoje, ontem e com certeza amanhã,
Estarei só numa multidão.
Nada vejo, nada sinto,
Somente uma imensa solidão.

Olhando pela janela o que vejo?
Apenas uma tenebrosa escuridão.
Sinto o vento balançando,
As folhas das tristes plantas
Que o recebem com um pouco de gratidão.

Solidão é tudo o que se sente,
Quando dentro da gente não há esperança,
que o Sol irá nascer amanhã.
Solidão é a amargura que se sente,
Quando tudo o que nos oferecem, é ingratidão!..."

Drummond



HASTA!