novembro 19, 2004

Boa pedida


HOLA!


Até que vi bons filmes nos últimos dias. Estar sem computador tem suas vantagens.


O closet

Revi essa deliciosa comédia francesa. Bem dirigida, roteiro inteligente e sensível, além de ótimas atuações. François Pignon (Daniel Auteuil) descobre que vai ser demitido após ser excluído do enquadramento da foto da empresa. Sua vida já é enfadonha, todos o consideram um chato, sua mulher o largou há dois anos e ele ainda não sabe lidar com a dor da separação, seu filho tornou-se um estranho e foge dos seus encontros e para piorar nem uma tentativa de suicídio digno ele consegue. Sua vida pode ser resumida numa frase genial quando ele mesmo cita que durante seu nascimento, o obstetra pedia pra sua mãe empurrar e ele já tinha saído do seu ventre e o médico nem tinha percebido, ratificando como sua vida era insignificante.

Todavia, a chegada do seu novo vizinho muda todo seu cotidiano. Pignon resolve aceitar a proposta de mentir sobre sua sexualidade para segurar o emprego. E não só dá certo, como se torna popular. Tal como o conto de Machado de Assis, "Quem conta um conto aumenta um conto", uma sucessão de mentiras criam situações inusitadas, mudanças de comportamentos, de atitudes que mudarão suas vidas para sempre.


Dolls

Com uma estética que faz homenagem a Sonhos de Kurosawa, esse belo filme nos relata que para alguns os limites entre o amor e a obsessão são deveras tênues e que um coração dilacerado pode desfragmentar uma mente. Quais são os verdadeiros limites para quem ama? Ou quem sabe os limites do significado dessa palavra tão mal usada denominada AMOR? Só um alerta: nunca seja um fantoche do mal falado amor, você até pode ter segundos de uma alegria infinita, contudo o final nunca será clichê.


Sonhos

Obra-prima do mestre Kurosawa. Se pudesse haver uma definição de pintura dinâmica, com movimento, este termo encaixar-se-ia perfeitamente a essa obra de arte. Com a sua genialidade e a ajuda magnífica da ILM do George Lucas, foi concebida essa epopéia da degradação da humanidade através da natureza.

Das diversas histórias contadas durante o filme, vale destacar o final belíssimo do primeiro sonho, a história do comandante solitário e amargurado, a dos três sobreviventes à radiação, dos efeitos desta na natureza e no próprio homem (ou ogro?) e o último sonho que significa a volta do homem ligado à natureza, ao cultivo da terra, ao respeito pela vida e seu devido valor.

Ao rever o filme, não tirava da minha cabeça um certo poema do Manoel Bandeira que li ainda criança.


O Bicho

Vi ontem um bicho,
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão.
Não era um gato.
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.



O poema nos mostra a degradação humana na qual o homem está nivelado a um bicho, ratificando a comparação explícita no texto. E é essa mensagem de conscientização que Kurosawa quis deixar. Pra mim, ver Sonhos além de um grande prazer, é um dever como cidadão, é um auto-retrato como aquele de Van Gogh. O maior perigo da humanidade ainda continua sendo nós mesmos.


Os guarda-chuvas do amor


Vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 1964, foi o primeiro filme da história do cinema cujos diálogos são totalmente cantados. Dirigido com perfeição por Jacques Demy e com uma trilha terna e apaixonante composta por Michel Lengrand, o filme nos conta a história de Geneviére (a belíssima Catherine Deneuve), filha da dona de uma loja de guarda-chuvas, que se apaixona por um rapaz que trabalha em um posto.

Dividido em três etapas, podemos achá-lo inicialmente bastante pueril, adocicado, mas ao poucos vemos quão crível ele é, porque os jovens são imaturos na arte de amar, empolgam-se facilmente, são movidos a paixonites e pseudo-amores. E é justamente na segunda etapa do filme que comecei a me solidarizar com a dor de Geneviére e seu clímax é mais do que perfeito por ser verdadeiro, sem clichês.

Grande destaque deve ser dado à direção de arte e fotografia impecáveis do filme. O contraste do colorido dos guarda-chuvas com os dias chuvosos e cinzentos é belíssimo, o que me faz pensar que Amélie Poulain e Moulin Rouge não deixam de ser filhotes dessa pequena obra-prima.

Muitos críticos consideram esse filme uma fábula de amor atemporal, reitero suas palavras e acrescento mais: como uma fábula pode ser real? Os guardas-chuvas do amor assim o é.


HASTA!