setembro 23, 2004

As várias nuances da solidão (parte 9)

HOLA!


A SOLIDÃO ATRAVÉS DOS POEMAS



01- Alma minha gentil, que te partiste


Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no céu eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste

Se lá no assento etéreo onde subiste
memórias desta vida se consente
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
algüa coisa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,

roga a Deus, que teus anos encortou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te
quão cedo de meus olhos te levou.

(Camões)




02-A Estrela


Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

(Manuel Bandeira)



03- SOLITÁRIO



Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos,um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí,como quem tudo repele,
-Velho caixão a carregar detroços-

Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!

(Augusto dos Anjos)



04- O Silêncio de Pascal


"O silêncio desses espaços
infinitos me apavora "
os pensamentos estraçalhados de
Pascal
são a crise de uma consciência
excepcional
no limiar de uma nova era
o místico Pascal
contempla o céu estrelado
numa vã espera de vozes
o céu calou-se
estamos sós no infinito
deus nos abandonou
" daquela estrela à outra
a noite se encarcera
em turbinosa vazia desmesura
daquela solidão de estrela
àquela solidão de estrela "
(leopardi via haroldo de campos)
nenhum ufo
no close contact of the third kind
a solidão " cósmica " de Pascal
é o pendant do vazio
de sua classe social
cuja hegemonia está para terminar
os germes da revolução francesa
que vai derrubar a nobreza
e colocar a burguesia no poder
já estão no ar
Pascal ouve nos céus
o tremendo silêncio
de uma classe que já disse
tudo que tinha a dizer
pela boca da história."

(Paulo Leminski)



05- Solidão


Nas nuvens cor de cinza do horizonte
A lua amarelada a face embuça;
Parece que tem frio, e no seu leito
Deitou, para dormir, a carapuça.
Ergueu-se, vem da noite a vagabunda
Sem xale, sem camisa e sem mantilha,
Vem nua e bela procurar amantes;
É doida por amor da noite a filha.
As nuvens são uns frades de joelhos,
Rezam adormecendo no oratório;
Todos têm o capuz e bons narizes
E parecem sonhar o refeitório.
As árvores prateiam-se na praia,
Qual de uma fada os mágicos retiros...
Ó lua, as doces brisas que sussurram
Coam dos teus lábios como suspiros!
Falando ao coração que nota aérea
Deste céu, destas se desata?
Canta assim algum gênio adormecido
De ondas mortas no lençol de prata?
Minh'alma tenebrosa se entristece.
É muda como sala mortuária...
Deito-me só e triste, sem ter fome
Vendo na mesa a ceia solitária.
Ó lua, ó lua bela dos amores,
Se tu és moça e tens um peito amigo,
Não me deixes assim dormir solteiro
À meia-noite vem cear comigo!

(Álvares de Azevedo)




Poema do dia:

"Tudo está tão escuro
As trevas enchem meus olhos
De dor, ódio, traição
Tudo tão deserto, tão gélido
Sombras cercam meu pensamento
Lágrimas correm por minha face
Gotas minúsculas
De uma maiúscula solidão
Solidão que traça minha busca sem razão
Por um ser que nem, ao menos, eu conheço.
Oh, vento! Onde está que não o ouço?
Quero que mova esse moinho
Que carrega o presente para o passado
Que nos faz esquecer
Ou finge esquecer lembranças
Lembranças de um passado tão presente
Que não sai da memória da gente
Que nos aperta, que nos inferioriza
Que torna a vida tão restrita
Oh, vento! Onde está que não o ouço?
Por quê foge de minha infortunada procura?
Resgate-me, antes que me destruam
Ressuscite-me, antes do meu último suspiro
Lá estava eu, no meu castelo de cristal
Na minha redoma de vidro
Reluzente, indestrutível
Até você chegar pelo portão de entrada tão adorável
E desabar um império tão firme, tão invencível
Declarei a minha nação que a defenderia contra qualquer inimigo
Mas se o inimigo fosse você , me renderia sem resistência
Sem armas você me controlou
E com suas armas você me deixou
Oh, vento! Por quê você, fiel amigo, não me ouve mais?
Largou-me à mercê das tempestades da paixão
Num deserto de ilusões, sem meu amor
Sem a fonte do meu viver, minha moradia
Meu refúgio, meu cais, meu porto seguro
Oh, vento! Ouça-me:
Sem ele não sou nada
Leve-me para o palco dos anjos
Pois a loucura já tomou meu corpo
Oh, vento! Ouça-me:
Sinto meu corpo suspirar, levitar
Há algo estranho em mim
Dores não existem
Só alegrias restam
Algo tão esquecido, tão perdido
Que se mantinha firme
Até o dia que se tornasse pleno
Até hoje
Quando fechei meus olhos e não mais vi
As rosas e os espinhos da minha tenra e ingrata vida."

(Ennirak)



HASTA!