novembro 21, 2004

Uma homenagem aos filmes noir e ao cinema


HOLA!



Se Almodóvar fez uma homenagem ao amor no fenomenal Fale com ela, aqui ele faz uma grande homenagem aos filmes noir e a própria sétima arte. Muitos o consideram superestimado, sou suspeita a dar uma opinião já que sou fã do seu trabalho desde trabalhos de menor qualidade como Mulheres à beira de um ataque de nervos ou Ata-me. Muitos falam que sua obra máxima é o oscarizado Tudo sobre minha mãe, mas o meu top 1 até agora é Fale com ela .

Lembro que estava fazendo controle do meu consumismo, mas quando vi a trilha sonora do filme, não consegui me desenvencilhar. Aquela trilha me deixou em um estado meio catatônico, meio histérica, se é possível e eu tinha que tê-la.

Aquela cena inicial com a coreografia visceral da Pina Bausch já tinha deixado estupefata, removeu todas as minhas defesas infundadas e ao conhecer os personagens cada vez mais sentia juntamente todas suas dores, amores, paixões, saudades, insensatez, insanidade. Tentar descrever o amor é um desafio nas nossas vidas e o cinema sempre busca desvendar suas mais diversas nuances, contudo poucos filmes acertam como Fale com ela.



Em Má Educação, vemos todas as características peculiares ao Almodóvar: muita cor, personagens pitorescos, exagero pertinente, muito calor. Só que aqui vemos um Almodóvar muito mais maduro e nos mostrando um clima muito mais sombrio.

Os créditos iniciais à Saul Bass e Bernard Herrmann, colaboradores de Hitchcock, querem nos mostrar como nossas vidas podem ser "picotadas", tornando-se um emaranhado de redes desconexas, papéis avulsos, sem sentido e aquela imagem final antes do início do filme nos parece tão utópica. A vidinha certinha está muito longe do universo do Almodóvar.



Após anos de ausência, Ignacio reencontra seu antigo colega de colégio Enrique, famoso diretor em um momento nada especial, já que está com bloqueio total para o trabalho. Durante esse reencontro, Ignacio oferece a Enrique uma cópia de um roteiro para um filme baseado na vida deles durante suas permanências no colégio interno dirigido pelo temível Padre Manolo. Se as cenas relembradas dessa infância são temíveis, todavia são de um lirismo profundo, em especial aquela cena onde Ignacio canta Moonriver em espanhol. Através daquele ambiente sufocante e sombrio, ele descobrem o amor, a amizade e também a crueldade e maldade do ser humano.

Encabeçado pelo sempre ótimo Gael Garcia Bernal (como ele é lindo, mesmo transvestido de mulher), o filme conta com atuações memoráveis de todo restante do elenco, incluindo a participação pequena, mas inspirada do Javier Camara. E é impressionante como o Almodóvar sempre acerta na trilha sonora. Ela é arrebatadora e intensa (mais um prejuízo para meus bolsos já tão vazios!!).

Enquanto os filmes americanos são repletos de pudor, aqui temos closes em corpos desnudos, abdomes perfeitos, olhares sensuais e enigmáticos, sempre ambíguos. Prestem atenção e perceberão que todos os atores usam lápis nos cílios, fato este que dá mais notoriedade a dualidade dos seus personagens.



Se você resume este filme a um romance homo-erótico, ou uma tentativa apenas de penetrar na ferida dos segredos escondidos e das atrocidades cometidas pela Igreja, estaria sendo infiel à proposta do Almodóvar. Aqui ele cria diversos gêneros dentro de um só, é um filme dentro do outro, os personagens se confundem, nada é facilmente elucidativo, personagens não são unidimensionais, não há maniqueísmo, não há espaço para moralismos, hipocrisias. Eles podem estar em cada fotograma da película, mas são jogados no ventilador, são destrinchados, dissecados de uma forma bastante sincera, sem dramalhões.

Ademais há um quê de alter-ego no Enrique que torna aqueles ótimos créditos finais ainda muito mais interessantes. Realmente ele continua a fazer filmes com a mesma paixão e cada vez melhor...



HASTA!