janeiro 18, 2005

SAUDADE DOS 80 (parte 6)


HOLA!


Colégio do Salvador: entra burro e sai doutor.





Esse era o lema não oficial do meu colégio. Estudei lá dos 03 aos 18 anos. Uma vida! Colégio dos mais tradicionais do estado de Sergipe, com quase 70 anos de existência, altamente conservador, católico e rígido. Para quem entrava desde pequenininho, ainda tomando "gogó" e deixando as fraldas de lado, você até daria gargalhadas de certas situações inusitadas do colégio, mas se entrasse mais velho, a adaptação era um processo bastante lento. Vi vários colegas novos saírem após um ano em nosso convívio.

Na verdade, o lema oficial do colégio poderia ser visto nas paredes logo no corredor de entrada. "A criança de hoje será o adulto do amanhã". Mais clichê impossível! Tinha outro também e que até hoje é mantido: "Colégio do Salvador - Uma vida de fé e amor à educação".

Do jeito que sou tímida, fico imaginando como deve ter sido uma garotinha de 04 anos que entra pela primeira vez em um território desconhecido. O que me esperava? Acho que eu devo ter sido levada por minha mãe, todas as mães fazem isso.

Toda escola tem seu causos, suas histórias folclóricas, seus temores e seus amores. Quem não tinha medo da Irmã Zilda nas aulas de religião? E a cantina do colégio que era administrada por ela? Você tinha duas opções: ou um sanduíche com um simples queijo ou aquele cachorro-quente altamente nojento. Boatos diziam que já foram encontrados restos de baratas e lagartixa neles. Que delícia, não?

Cabelos arrumados, cadernos forrados e sem dobras, uniformes limpos e impecáveis, pontualidade britância são algumas das várias regras. Um minutinho atrasado, já era!! E se esquecesse algum livro, caderno, prepara-se: castigo. Que castigo? Geralmente era fazer os verbos ser, ter, haver, estar e se o "crime" cometido fosse maior, eram incuídos os verbos ir e pôr. Tinha um colega que era um ás em verbo e hoje em dia é advogado e até agradece a D. Mariá (nossa estimada diretora) por tantos verbos feitos. Acho que eu só fiz verbo por castigo uma única vez, quando fui pega conversando na sala. Conversa na sala? Você poderia até conversar, trocar bilhetinhos, mas D. Mariá passeava por todos os corredores do colégio e nos inspecionava enquanto corrigia os cadernos e se ela o pegasse, eu tenho pena de você. Até hoje lembro com detalhes das suas broncas antológicas. Não sei como ela conseguia inspecionar enquanto corrigia os exercícios de Português. Calma, vou explicar! Além de ser diretora da escola, ela era professora-chefe da 4ª série e ensinava regras gramaticais e Redação para o 3º ano colegial ou científico, como eu chamava.

Apesar de tudo, eu sinto uma grande saudade do colégio. Podem até dizer que o colégio inibia o aluno, que saem todos papagaios que só sabem decorar, entretanto se tenho um pouco de organização e disciplina, devo ao colégio. Lembro-me de que a gente tinha que se levantar quando o professor chegava na sala. Todavia com o decorrer dos meses, tentávamos enrolar, mas se D. Mariá nos pegasse, como já tinha feito algumas vezes, melhor nem lembrar... Certa vez um colega de sala iria levar suspensão, mas ela repentinamente mudou de opinião e disse que ele iria vir todas as manhãs de castigo porque a Xuxa dele era ela. H-I-L-Á-R-I-O!! (Só pra entenderem melhor: no ginásio e no científico estudávamos apenas pela tarde, enquanto os alunos do pré e da 1ª a 4ª série (atual ensino fundamental) estudavam somente pela manhã). Admito que as broncas gerais pra turma eram muito engraçadas, apesar da seriedade que ela colocava no seu tom de voz. Não esqueço quando tirei meu caderno do lixo porque coloquei na sua mesa antes da hora.

Toda primeira sexta-feira do mês tinha missa. Se você não fosse católico, tinha o direito de ficar na sala estudando (que bom, né?). Namorar? Impossível. Nem podia ficar um garoto com uma garota sozinhos, tinha que ter a terceira pessoa. E sair com a farda (ou uniforme) pra lanchar nos arredores do colégio? Proibido! Lembro que levava uma blusa pra poder comprar batata-frita numa banquinha nas proximidades da escola. Putz, que saudade dessa batata-frita, era divina! Até passear pelo shopping de farda com meus pais me metia medo. Muita gente foi pega e se ferrou. Sempre diziam: "Não vão falar que vocês são filhos de fulano, vão dizer que vocês são alunos do Colégio do Salvador".

E a inspeção mensal do material escolar? Tudo tinha que estar em ordem e até a calça jeans não poderia nem estar um pouquinho desbotada. Tínhamos 10 minutos de reza todo santo dia e nos enfileirávamos em ordem de tamanho. E no final braços estendidos e muitas vozes cantarolavam o Hino Nacional.

Sou da época de matérias como E.M.C. (Educação, Moral e Cívica) e O.S.P.B. (Organização social e política do Brasil). Alguém sente falta? Sei o hino nacional de cor já que toda prova de E.M.C. mandavam a gente escrever o hino todinho.

O que falar daquelas saias xadrez do ensino fundamental? E o short azul-marinho com aquelas listras vermelha e branca nas laterais que usávamos nas aulas de Educação Física? Ninguém merecia!



Em épocas sem internet, tínhamos que fazer buscas e mais buscas na Enciclopédia Barsa, e em vez de digitarmos trabalhos no word, usávamos máquinas datilográficas ou mesmo escrevíamos com o próprio punho naqueles papéis pautados. Lembram da bic amarela com bico azul? E da caneta kilométrica? E a Pilot? E os lápis com a tabuada impressa que a professora não deixava usar no dia da prova? No meu colégio era permanentemente proibido, só usávamos às escondidas. Lembram-se da caneta Replay que vinha com uma borracha que "apagava" a tinta. Quem também dizia que apagava, mas que na verdade borrava, era a parte azul daquela borracha metade vermelha metade azul da Faber Castell. E as canetas de 10 cores? O caderno ficava todo colorido! Por falar em caderno, início de ano escolar é uma delícia. Eu adorava ver minha mãe forrando os cadernos e aquele cheirinho de coisa nova. Alguém lembra dos cadernos Companheiro? E posteriormente o Caderflex? Depois chegou a era dos cadernos com capa dura. Não só a era dos cadernos capa dura, mas como os lápis grafite foram sendo trocados pela lapiseira Poly. E as canetinhas? Pena que duravam pouco assim como os marcadores de texto.

Lembram que a Faber Castell vendia um estojo verde e pesado de madeira que já vinha com caneta, lápis, lapiseira, lápis de cor, borracha e uma régua com vários círculos? E vocês ainda sabem o que é um esquadro, um transferidor ou um compasso? E a nossa caderneta escolar que não podíamos esquecer de jeito nenhum?

Lembram o modismo das borrachas perfumadas? Tinha várias e não usava de jeito nenhum. E aqueles estojos cheios de botões que abriam vários compartimentos, lembram? E a moda das mochilas Cantão e principalmente da mochila Company? Moda ou não, adorava a mochila da Company porque era bem resistente. E as merendeiras? Adorava comprá-las, mas enjoava no decorrer do ano. Não aguentava aquele cheiro de suco que impregnava a estante onde ela ficava e também lanchar no colégio, levar dinheiro e comprar na cantina era sinônimo de "maturidade".

Voltando ao meu colégio, o tempo ou fatos fizeram com que mudassem certas atitudes. Uma fofoca básica: depois que a neta da diretora ficou grávida aos 15 anos, já não poderia mais "pedir educadamente" que as meninas em estado especial se retirassem do colégio. E depois desse episódio não é que até a lanchonete melhorou, aumentou a variedade e a qualidade. Milagres realmente acontecem!

Já faz dois anos que minha escola fechou as antigas portas do prédio em frente ao Rio Sergipe e abriu novas instalações próximo ao Shopping Jardins. e não é que já até entrou na era da internet? Ao ler o site do colégio, percebi que agora eles têm até professores de música e de artes. Quem diria! Muito interessante ver um colégio tão tradicional abrindo horizontes. E pelo que notei, ao ler sua home page, D. Mariá não mais ensina a 4ª série, entretanto do jeito que a conheço, duvido que tenha se aposentado completamente.

Faz tempo que não a vejo... Já deve estar com mais 80 anos e não querendo colocar nenhum "agouro", penso que no dia que ela se for, vou chorar horrores, já que é uma das pessoas que mais me marcaram na vida, ainda que seja em um pesadelo noturno. Mas lá no fundo eu sei que sou uma grande fã dela. Ambíguo, não? Uma grande mulher, guerreira, exigente, exímia professora e educadora. Errava sim com sua maneira arcaica de agir, contudo sempre com boas intenções. Sempre serei filha de Mariá.

Faz 10 anos que saí do mundo escolar, mas nunca mais encontrei amizade como aquelas, amores impossíveis como naquela época e nunca me diverti tanto e chorei quase tão quanto naquelas festas americanas. Reencontrei no orkut uma amigona que me acompanhou do maternal até o último ano escolar e foi muitíssimo legal. Ela há 10 anos mora em Londres e agora estamos trocando e-mails. Sou da opinião que amigo que não é aquele que você vê toda hora, que você fala toda hora, mas é aquele que ouve sua voz e sabe se você está bem ou não, que transforma um encontro ao acaso em um bate-papo maravilhoso. É como se não houvesse tempo, distância... Poucos minutos trazem a cumplicidade aparentemente perdida. O que seria de nós sem eles né? Acho que deveria ter guardado aquelas camisas com o nome de todo mundo que assinávamos no final do ano...



HASTA!