março 13, 2005

SAUDADE DOS 80 (parte 32)


HOLA!





THE 80'S MOVIES




"Há mais harmonia nos filmes do que na vida. Não há engarrafamentos nem períodos de estagnação. Os filmes sempre continuam, como trens à noite. Pessoas como você e eu só somos felizes no nosso trabalho, fazendo filmes"(François Truffaut para Jean Pierre Leaud em "A Noite Americana")






Um estranho no ninho (1975): "Randle Patrick McMurphy (Jack Nicholson), um prisioneiro, simula estar insano para não trabalhar e vai para uma instituição para doentes mentais, onde estimula os internos a se revoltarem contra as rígidas normas impostas pela enfermeira-chefe Ratched (Louise Fletcher). Mas ele não tem idéia do preço que irá pagar por desafiar uma clínica "especializada"".

Comentando: um dos meus filmes favoritos e que me fizeram, por uma época, querer fazer Psiquiatria. A mente humana é ainda um mistério para todos nós. Quais são os limites para a sanidade? Mas ainda mais complicado e sem explicações são os limites da sordidez humana. No meio dos loucos, o mais insensato é o improvável. Os loucos são uma alegoria da sociedade. O hospício e a figura da enfermeira Mildred (Louise Fletcher) são uma metáfora da opressão dos governantes e das regras e padrões que já obedecemos desde que nascemos. Sermos diferentes é o mesmo que sermos loucos. Mas McMurphy deixou seu legado, apesar do final triste, porém libertador que se torna mais sublime com aquela trilha maravilhosa composta por Jack Nitzsche. “Todo homem tem o direito de ser tão grande quanto ele sente que é” (Ken Kaise, autor do livro que inspirou o filme).

O último imperador (1987): "A saga de Pu Yi (John Lone), o último imperador da China, que foi declarado imperador com apenas três anos e viveu enclausurado na Cidade Proibida até ser deposto pelo governo revolucionário, enfrentando então o mundo pela primeira vez quando tinha 24 anos. Neste período se tornou um playboy, mas logo teria um papel político quando se tornou um pseudo-imperador da Manchúria, quando esta foi invadida pelo Japão. Aprisionado pelos soviéticos, foi devolvido à China como prisioneiro político em 1950. É exatamente neste período que o filme começa, mas logo retorna a 1908, o ano em que se tornou imperador".

Comentando: Tenho que admitir que só consegui ver esse filme depois da nona tentativa, o sono sempre falava mais forte. Todavia lá pela décima vez, consegui captar toda beleza, sensibilidade e magia da cultura oriental que Bertolucci quis nos contar.

Era uma vez na América (1984): "Na década de 20, David Aaronson (Robert De Niro) e Maximillian Bercouicz (James Woods), dois amigos de descendência judaica, crescem juntos cometendo pequenos crimes nas ruas do Lower East Side, Nova York. Gradualmente estes crimes assumem proporções maiores e a Máfia judaica passa a ter tanta força que os amigos do passado se tornam rivais. Esta saga percorre desde seus dias de infância, atravessa o apogeu durante a Lei Seca e retrata o reencontro deles após 35 anos".

Comentando: Pra mim o melhor filme sobre a Máfia. Dirigido pelo fenomenal Sergio Leone, todos os elementos cinematográficos (fotografia, trilha sonora, direção de arte, figurino etc) conspiram para formar essa obra-prima do cinema que conta com com um elenco fenomenal e inspiradíssimo. Um filme é repleto de cenas marcantes (a troca dos bebês, o garoto faminto que acaba comendo a torta que seria para a prostituta, aquele telefone irritante que perturba Noodles, a beleza estoteante de Elizabeth McGovern e Jennifer Connely, a trilha soberba de Ennio Morricone, a belíssima cena do jantar entre Noodles (De Niro) e Deborah (McGovern), o olhar melancólico do Noodles envelhecido etc). Um filme sobre amizades, lealdade, sobre pessoas que constituem a América.

Tootsie (1982): "Desesperado em busca de emprego, um ator resolve se vestir de mulher para disputar um papel feminino em uma telenovela".

Comentando: Dustin Hoffman está ótimo neste divertido filme que fala sobre o desespero nosso de cada dia em busca de um rumo na vida.





Willow (1988): "No calabouço do castelo da demoníaca Rainha Bavmorda, uma prisioneira da à luz uma criança que, de acordo com uma profecia antiga, colocará fim ao renado da maléfica rainha. Uma parteira salva o bebê da fúria de Bavmorda, mas é forçada a jogar a criança, dentro do berço, em um rio quando os capatazes da rainha a alcançam. A correnteza do rio conduz a criança a uma vila de anões, onde mora Willow (Warwick Davis), que resolve cuidar da criança, sem saber do destino que a espera. Quando os capatazes da rainha descobrem o paradeiro da criança, Willow começa uma difícil jornada para levar o bebê a seu povo e concretizar a profecia".

Comentando: um filme de fantasia com belos cenários, mesclando aventura com momentos de humor, boas atuações, mas com uma história meio boba e previsível.

Highlander, O Guerreiro Imortal (1986): "Connor MacLeod (Christopher Lambert), um guerreiro escocês do século XVI, é imortal e, após algum tempo, encontra Juan Ramirez (Sean Connery), imortal como ele. Ramirez o ensina a manejar uma espada, pois a única forma de matar um imortal é cortando sua cabeça. Após alguns séculos, surge um inimigo, imortal como ambos, que pretende decapitar Connor, para se tornar o único imortal da face da Terra".

Comentando: Ah se as continuações fossem tão boas como esse longa original... Um aspecto interessante do filme do qual gosto muito é a melancolia constante dos guerreiros imortais. Vale mesmo a pena ser imortal e ver todos aqueles a quem amamos nos deixando? Uma eterna solidão!

Nascido para matar (1987): "Um sargento (R. Lee Ermey) treina de forma fanática e sádica os recrutas em uma base de treinamentos, na intenção de transformá-los em máquinas de guerra para combater na Guerra do Vietnã. Após serem transformados em fuzileiros navais, eles são enviados para a guerra quando lá chegam se deparam com seus horrores".

Comentando: No futebol tem aquela frase folclórica: "Treino é teino, jogo é jogo". Só que neste filme um mero treinamento pode ser muito pior que a própria guerra. Um retrato contundente sobre a violência e suas conseqüências e, infelizmente, a evidência que somos educados para sermos violentos e facilmente nos adaptamos à essa condição.

Harry & Sally - Feitos um para o outro (1989): "Após se formarem pela Universidade de Chigago, Harry Burns (Billy Crystal) e Sally Albright (Meg Ryan), um casal de estudantes, viajam juntos para Nova York. Com o passar dos anos cada um leva a sua vida, se vêem esporadicamente, mas aos poucos e de forma um pouco assustadora descobrem que estão se apaixonando".

Comentando: é meio clichê falar daquela cena da simulação do orgasmo feita por Sally (Meg Ryan), não é? Mas que essa cena é ótima, é inegável. Uma forma gostosa e divertida de contar a velha história que os opostos se atraem e que atrás daquelas birrinhas, daqueles defeitos toda hora explorados, pode surgir um grande amor.

Os gritos do silêncio (1984): "A visão de Sidney Schanberg (Sam Waterston), um jornalista americano, sobre a guerra do Camboja e a amizade feita com Dith Pran (Haing S. Ngor), intérprete cambojano e jornalista local. São mostradas as trágicas conseqüências, principalmente as ações do Khmer Vermelho. Com a cobertura da tomada de Phnom Penh, Schanberg ganha o prêmio Pulitzer e retorna para o oriente procurando o amigo, que separou-se dele em razão da guerra".

Comentando: um retrato belíssimo e chocante das atrocidades da guerra. Ótimo elenco conduzido por Roland Joffé (A missão).

Karatê Kid, a hora da verdade (1984): quem não conhece a história de Daniel San, um garoto franzino que leva porrada de todo mundo e que através dos ensinamentos do mestre Miyagi (Pat Morita) vai se tornar um exímio lutador? Nossa, como eu imitava as cenas de treinamento e de luta do Daniel (Ralph Macchio)!!!

Scarface (1983): "Década de 80. Centenas de imigrantes cubanos aportam na costa da Flórida, durante uma breve abertura da ilha por Fidel Castro - Uma manobra para se livrar do excesso de presos nas cadeias cubanas. Em meio à massa de miseráveis, chega Tony Montana, bandido de pouco nome e muita bravata, disposto a conquistar o mundo do tráfico. Brilhantemente interpretado por Al Pacino, Scarface conta como Montona chegou ao topo. E como a cocaína e sua ambição desmedida o fizeram cair".

Comentando: refilmagem do filme Scarface, A vergonha de uma nação (1932) de Howard Hawks. De Palma com seus travellings inusitados (hehe, valeu Rapha!) cria uma ambiente soturno e violento com um Al Pacino fantástico que transforma seu Tony Montana em um dos personagens mais interessantes da história do cinema.





Conduzindo Miss Daisy (1989): "Atlanta, 1948; Uma rica judia de 72 anos (Jessica Tandy) joga acidentalmente seu Packard novo em folha no jardim premiado do seu vizinho. O filho (Dan Aykroyd) dela tenta convencê-la de que seria o ideal ela ter um motorista, mas ela resiste a esta idéia. Mesmo assim o filho contrata um afro-americano (Morgan Freeman) como motorista. Inicialmente ela recusa ser conduzida por este novo empregado, mas gradativamente ele quebra as barreiras sociais, culturais e raciais que existem entre eles, crescendo entre os dois uma amizade que atravessaria duas décadas".

Comentando: belíssimo filme sobre o valor de uma verdadeira amizade que fica muito mais verossímil devido a química perfeita entre a magnífica Jessica Tandy e o excelente Morgan Freeman.

Mississipi em chamas (1988): "Mississipi, 1964. Rupert Anderson (Gene Hackman) e Alan Ward (Willem Dafoe), dois agentes do FBI, investigam a morte de três militantes dos direitos civis em uma pequena cidade onde a segregação divide a população em brancos e pretos e a violência contra os negros é uma tônica constante".

Comentando: um filme franco, com atuações fortes que nos alerta sobre as injustiças sociais, o preconceito e discriminação imperantes contra os negros norte-americanos.

Cinema paradiso (1989): "Nos anos que antecederam a chegada da televisão (logo depois do final da Segunda Guerra Mundial), em uma pequena cidade da Sicília o garoto Toto (Salvatore Cascio) ficou hipnotizado pelo cinema local e procurou travar amizade com Alfredo (Philippe Noiret), o projecionista que se irritava com certa facilidade, mas parelamente tinha um enorme coração. Todos estes acontecimentos chegam em forma de lembrança, quando agora Toto (Jacques Perrin) cresceu e se tornou um cineasta de sucesso, que recorda-se da sua infância quando recebe a notícia de que Alfredo tinha falecido".

Comentando: Lembram o Salvatore, já adulto, assistindo o especial de cenas de beijo cortadas dos filmes que Alfredo deixa para ele? Cinema Paradiso celebra a magia do cinema se tornando um dos filmes mais mágicos já feitos! Uma ode à amizade, ao amor e à paixão pela sétima arte. Uma mistura de Tornatore, Philippe Noiret e Ennio Morricone não poderia dar em outra mesmo.

O peso de um passado (1988): esse ótimo filme dirigido pelo grande Sidney Lumet nos apresenta aos personagens de Judd Hirsch e de Christine Lahti, um casal fugitivo da polícia desde os anos 70, após explodirem um laboratório que produzia napalm e outras bombas para a Guerra do Vietnã. Só que eles não imaginavam que tinha uma pessoa lá dentro da fábrica no momento da explosão e muito menos tinham intenção de ferir alguém, apenas eram contra a guerra. Juntamente com seus filhos passam os anos pulando de cidade em cidade, mudam de identidades a fim de não serem descobertos. São verdadeiros nômades. Só que quando fixam moradia em uma cidade, Danny (River Phoenix), o filho mais velho do casal, ganha destaque na escola pelo seu grande talento musical. O garoto é encorajado para fazer faculdade de música, devido seu talento nato com o piano, mas entrar numa faculdade seria criar e estabelecer vínculos por demais. Fica numa sinuca de bico: dar um prumo na sua vida ou seguir seus pais, correndo de um passado que não é dele?

Sexo, mentiras e videotape (1989): "Um advogado (Peter Gallagher) enfrenta problemas de caráter sexual com sua mulher (Andie MacDowell) e tem um caso com a cunhada (Laura San Giacomo), mas algo acontece com a chegada de um amigo (James Spader) de infância do marido, que grava em vídeo o depoimento de mulheres que falam da vida sexual que levam".

Comentando: Soderbergh estréia com pé direito na direção desse filme que ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1989. Um filme irresistivelmente cínico e instigante, mas ainda assim superestimado.





Asas do desejo (1987): "Daniel e Cassiel são dois anjos que observam o dia-a-dia cinzento dos homens e mulheres de Berlim. Mas tudo muda quando Daniel se apaixona por angelical trapezista de circo."

Comentando: Wim Wenders é foda, só isso pra explicar obras-primas como Paris, Texas e Asas do Desejo. Até gostei da versão americana adocicada Cidade dos Anjos, mas comparar com essa poesia em forma de polaroid é impossível. Achei uma resenha vagando pela net que é um verdadeiro ensaio sobre o filme: "No desenrolar dos acontecimentos contemporâneos, a humanidade por si só assistiria sua autodestruição. Até Deus (quem diria?), profundamente desapontado, decide dar às costas ao mundo para sempre. No entanto, alguns anjos se rebelam e preferem tomar partido do Homem, que merece uma segunda chance. Em sua fúria (quem diria?), Deus expulsou tais anjos do paraíso para a cidade que, até então, era considerada a pior de todas na Terra: Berlim. E tudo isto aconteceu no final da Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha estaria completamente devastada pelos efeitos da guerra e que, mais tarde, veria o seu próprio território dividido por um muro que separaria os comunistas dos capitalistas. Então, esses “anjos caídos” estariam aprisionados a essa cidade, sem qualquer chance de perspectiva, sem poder iluminar os homens, sem poder intervir no curso da história...

Assim seria o prólogo de Wim Wenders para Asas do Desejo, considerado um dos melhores filmes do século XX e um dos mais comentados até hoje. Eu repito: seria! Mas não é. Wenders não tinha a intenção de contar uma história de caráter religioso, nem mesmo chegou, a princípio, a pensar em criar personagens que fossem anjos. Na época, o cineasta alemão estava há bastante tempo nos EUA e decidiu voltar a Berlim para fazer um filme sobre a sua cidade natal (já que para Wenders, o roteiro de um filme floresce a partir de um local, de uma cidade, antes mesmo dos personagens ou das situações). “Como falar de Berlim em sua totalidade?”, perguntava-se. Até que chegou a conclusão de que nem taxistas, nem bombeiros, nem prostitutas, nem outro habitante desta cidade podia dar conta de Berlim em sua expressão máxima. O que fazer então? Ninguém melhor que um anjo (o não-ser homem) poderia visualizar Berlim no seu todo, à maneira de um estrangeiro, que observa a cidade de um ponto-de-vista de quem está de fora. Portanto, convém logo lembrar no início deste ensaio que os anjos de Asas do Desejo não são meramente figuras divinas, mas essencialmente metáforas para o olhar do próprio Wenders sobre Berlim, que já não reconhecia a cidade natal que tanto amava.

Logo no início do filme, temos o prazer de escutar a sonoridade de uma poesia sobre o “estado das coisas” da infância. De certa forma, as crianças também são dotadas deste olhar do estrangeiro. Só as crianças conseguem visualizar os anjos, pois são semelhantes a eles. É na fase pueril que começamos a construir nossa história, nosso conhecimento de mundo. “Quando a criança era criança, não sabia que era criança, tudo era cheio de vida e a vida era uma só! Quando a criança era criança, não tinha opinião... não tinha hábitos... sentava de pernas cruzadas, e saía correndo...” Comparar os anjos com crianças leva tanto Damiel como Cassiel a se comportarem como personagens sem biografia, que observam os objetos e os homens com inocência e curiosidade. Daí que eles observam tudo em preto-e-branco, porque não podem sentir como seres humanos. Mas será que os homens percebem a magnitude ontológica de enxergar a vida a cores? Bem, para aquele que já está acostumado com um “estado das coisas”, tal benefício seria apenas um consolo. Como o pai que carrega uma criança nas costas apaticamente pensa: “o consolo de ver as cores iluminadas pelo sol nos olhos de todos”.

Só que Damiel quer ser humano. Ele prefere se desfazer de sua imortalidade para se perder no colorido de Berlim. E aí, feito criança, começa a questionar sua existência. “Por que eu sou eu e não você? Por que eu estou aqui e não lá? Quando começou o tempo e onde termina o espaço? Será que a vida sob o sol nada mais é que um sonho? Será que o que vejo, escuto e cheiro não é mais que uma miragem do mundo anterior ao mundo? Será que o mal existe mesmo e pessoas realmente más? Como pode? Eu que sou eu, não existia antes de existir e que alguma vez eu, aquele que sou, não serei mais quem sou?” Bastante inspirador (e tentador) para um anjo que antes tinha apenas o conhecimento espiritual do mundo, que não podia tocar os objetos, mas apenas alcançar a sua forma ideal (quem lê Platão sabe do que eu estou falando). É, meus amigos... A eternidade cansa! Um anjo nunca poderia ter o prazer de sentir os pés no chão, uma rajada de vento, o gosto de uma refeição ou até mesmo, “sentar no lugar vazio de uma mesa de jogos e ser cumprimentado”. Ou como lembra o companheiro Cassiel: “Supor, em vez de saber. Se entusiasmar com o mal, ser selvagem... ser sozinho.”

E agora Damiel? Qual será o seu destino (se é que anjo tem destino)? Você quer mesmo ser homem? Bem, seguir a opinião de outros anjos caídos já não é uma boa opção. Veja só o ex-arcanjo, que agora é um velho contador de histórias, que reclama de sua solidão devido ao isolamento dos alemães provocado pelas fronteiras do Muro de Berlim. “Ainda existem fronteiras? Sim, cada um tem a sua. Entre cada lote tem uma faixa de terra de ninguém. Quem entrar, cairá em armadilhas ou será golpeado por raios laser. (...) O povo alemão se dividiu em tantos estados quanto existem indivíduos. E estes pequenos estados são móveis. Cada um leva o seu consigo e pede pedágio a quem entra.”, afirma aquele que há muito tempo constatou que a desconfiada alma do alemão, cansada de tanta guerra, já não pode ser mais conquistada sem um aviso, sem uma “senha”.

Quando tudo parece aparentemente perdido, surge a mulher. Damiel se apaixona por Marion, uma trapezista decepcionada com o circo. Há dez anos, ela era a estrangeira que olhava para a “falsa imagem” do mundo circense com um certo encanto e a curiosidade de um anjo. Mas o tempo (que não cura todas as feridas) fez Marion enxergar a realidade e a trapezista aprendeu a sobreviver, ainda que na corda bamba. “Aqui sou estrangeira e, ao mesmo tempo, tudo é familiar. Não posso fugir, acabamos sempre encurralados. Como devo viver?” A identificação de Damiel com o estado espiritual de Marion é imediata. Era preciso que Damiel se tornasse mortal para salvar Marion e era preciso que Marion conhecesse Damiel para também salvá-lo de sua angústia existencial.

Teria que passar horas e horas e gastar laudas e laudas de papel para descrever a magnitude de Asas do Desejo. Por hora, deixo esta pequena introdução. Senão estragam-se as surpresas... Assistam e tirem suas próprias conclusões".




Betty Blue (1986): Betty Blue é um filme belo, super triste e com ótimas atuações. Zorg (Jean-Hugues Anglade) trabalha arrumando e consertando coisas numa espécie de condomínio de cabanas de praia no sul da França. Conhece Betty, uma mulher super sexy e sedutora, que o deixa completamente apaixonado. Betty parece ser um tanto selvagem, mas logo Zorg nota que seu problema é mais serio, fato este que leva a vida dos dois tomar um rumo tempestuoso. Ao achar manuscritos de um livro que Zorg tinha escrito, Betty insiste que ele tente publicá-lo, mas quando os fatos não vão tão bem como Betty gostaria, sua personalidade esquizofrênica manifesta-se mais ainda.


Fanny & Alexander (1982): esse filme do mestre Bergman conta a história da família Ekdahl, uma família sueca do começo do século XX, pela ótica de duas das crianças da família, os irmãos Fanny e Alexander, interpretados magnificamente por Pernilla Allwin e Bertil Guve. Após a morte de seu pai Oscar (Allan Edwall), passam pelas adversidades da perda, não só a do pai que se foi, mas da mãe Emelie (Ewa Fröling), uma mulher belíssima que acha consolo nos braços de um Bispo local. O Bispo Edvard Vergerus parece ser um homem santo, mas é um homem frio e repressor, que logo exige que Emilie abra mão de todos os seus bens e venha despida de qualquer coisa referente à familia Ekdahl. Para Fanny e Alexander, a casa do Bispo é o próprio inferno, com aquele ar mórbido e habitado por aquelas pessoas distantes (mãe, irmã, empregadas e uma tia com obesidade mórbida que nao consegue nem levantar da cama). As punições que o Bispo impõe para as crianças são severíssimas. Uma frieza e estranheza fora do comum.

Além da incrível sensibilidade, beleza e esmero que o filme foi feito, ele chega muitas vezes a ser assustador. Há também algumas cenas belíssimas com o pai das crianças (Allan Edwall). Bergman é um gênio, faz o que quer com seus atores e com a história que colocam nas suas mãos.


Down by law (1986): três homens (Roberto Benigni, John Lurie e Tom Waits) vão parar na mesma cela em uma cadeia na cidade de Louisiana. Planejam uma fuga e fazem uma verdadeira jornada pela região pantanosa do Mississipi.

Jim Jarmusch é um dos diretores mais interessantes do cinema americano. Os anos 80 foram sua consagração. Dentre sua filmografia nesta época temos: Permanent Vacation (1980), New World (1982), Stranger in Paradise (1983), Coffee and Cigarettes (1986) e Coffe and Cigarettes II (1989). Um filme dele de que gosto muito é Mystery Train (1989) que nos mostra três histórias quem têm em comum uma veneração ao cantor Elvis Presley. Um casal de japoneses fanáticos por rock vão para Graceland em Memphis visitar o Sun Studios (estúdio que gravou as canções dele) e também a casa do rei do rock. Uma italiana (Nicoletta Braschi (mulher do "mala" Benigni)) acaba ficando presa na cidade por problemas com seu vôo. Uma garota foge do namorado e se hospeda em um hotelzinho em um quarto que divide com a tal italiana. Na verdade, todos se hospedam nesse hotel, inclusive o namorado da garota. Durante a noite, a menina presencia o Rei em pessoa, fato este que irá mudar a vida de todos. Aqui ele usa Elvis como pano de fundo para discutir as diferenças sócio-culturais entre as pessoas. Como em toda sua filmografia, Jarmusch, que hoje em dia é considerado cult, nos mostra seu jeito de ver o mundo cheio de cinismo, tédio, banalidade e silêncio.

Encontrei um ótimo texto que resume muito bem a obra de Jarmusch.





Jim Jarmusch e a ternura do tédio


Nos anos 80, uma geração de novos cineastas começaram a questionar o previsível e estereotipado cinemão norte-americano. Esse grupo revelou talentos como Spike Lee, Steven Soderbergh e (um pouco mais tarde) Hal Hartley. Mas dentre esse grupo, o mais original é sem dúvidas Jim Jarmusch. Esse americano nascido em 1953 em Ohio foi morar em Nova York aos 17 anos. Formado em literatura, tendo trabalhado com música e fotografia, Jarmusch foi aceito no cultuado curso de cinema da NYU, onde teve a oportunidade de ser assistente de Nicholas Ray, numa co-direção com Wim Wenders em Lightening Over Water. Mas Jarmusch não chegou a concluir o curso, "ao invés de passar o tempo na cinemateca, eu aprendi muito mais no ponto de ônibus em frente à escola, ouvindo as pessoas".

Isso define bem o cinema ‘cool’ de Jarmusch. Num estilo de câmera quase estático, abusando do preto-e-branco, o diretor apresenta um outro lado do "American way of life". Seus personagens são marginalizados, gente comum, meio patetas, desengonçados, cheio de cacoetes ou tiques característicos, geralmente enganados por outros ou traídos pelas circunstâncias.

Em meados da década de 80, Jarmusch dirigiu dois filmes memoráveis: Estranhos no Paraíso (Stranger than Paradise, 1984), e Daunbailó (Down by Law, 1986). Com apenas pouco mais de 30 anos, o novato diretor conseguiu seu inquestionável prestígio com dois filmes que surpreenderam público e crítica pela sua simplicidade e criatividade. Com o primeiro, Jarmusch ganhou o Camera d’or em Cannes, para melhor filme de diretor estreante.

Ambos os filmes falam de uma transformação na vida de dois caras em decorrência de um contato com um elemento externo, seja a priminha húngara de Estranhos no Paraíso ou o macarrônico italiano Roberto Begnini em Daunbailó. Curiosamente, o elemento externo é um estrangeiro, que parece se adaptar melhor ao novo país que os próprios moradores. O estrangeiro é apresentado como um elemento ativo, independente, que induz indiretamente as transformações dos outros agentes. A dupla de amigos americanos é passiva. Em Daunbailó, a passividade é absoluta. Embora em Estranhos No Paraíso as viagens sejam iniciativa de um dos caras, elas são impulsionadas pelo desejo de reencontro com sua priminha húngara – o estrangeiro.

A possibilidade de contato expõe um choque de culturas que Jarmusch muito habilmente experimenta. De fato, o diretor define os Estados Unidos como uma colcha de retalhos. Ainda assim, os estrangeiros e os nativos são bastante semelhantes. Ambos têm a mesma ambição: o desejo pela liberdade, ou simplesmente uma tentativa em contornar o tédio.

De fato, em ambos os filmes, o contato é o motivo que leva a dupla de nativos a uma fuga, uma fuga contra a mesmice, a inércia, a paralisia de seus mundinhos. O símbolo dessa tentativa está em Daunbailó. Numa das mais poéticas cenas do cinema do monocromático Jarmusch, Roberto, o italiano fanfarrão, desenha uma janela com um pedaço de giz. Ao invés de contar os dias na jaula, Roberto olha para o futuro, contempla a liberdade e a possibilidade de sonhar, aliás, diga-se de passagem, típica da arte do cinema.

Por isso, é um erro dizer que o cinema de Jarmusch é puramente descritivo. Apesar de apresentar um certo desencantamento com um mundo monocromático e tedioso, o cinema de Jarmusch é um tímido apelo à liberdade e à possibilidade da amizade e da mudança de rumos. O papel do cinema, para Jarmusch, é, pois, a expressão de um desejo de libertação. Mesmo que a fuga da prisão em Daunbailó seja difícil de se acreditar, ou ainda a ida do trio para a Flórida em Estranhos no Paraíso, a inocência de Jarmusch apresenta um caráter normativo do seu cinema. A fuga de Daunbailó, por exemplo, não é filmada, mas apenas vemos o trio já fora da prisão, correndo pelo mato. Essa supersimplificação mostra que Jarmusch foge das dificuldades técnicas, que passam ao largo de seu cinema. Jarmusch está mais interessado nas conseqüências da fuga do que na fuga propriamente dita.

Mas apesar do tom positivo e romântico, da abordagem específica dos tiques da sociedade americana, os filmes de Jarmusch são universais e seus personagens imutáveis. A chave deste aparente paradoxo está num diálogo em Estranhos no Paraíso. Quando a dupla de nativos chega a Cleveland, um deles replica: "a gente vai para um lugar tão longe e vê que tudo é sempre a mesma coisa...". Em Nova York, em Cleveland, ou na Flórida, os dois nativos esbarram sempre com os mesmos problemas e fazem sempre a mesma coisa. Tanto em Nova York como na Flórida, a húngara ficava trancada num quartinho apertado esperando o retorno do primo. Em Daunbailó, após a fuga, o trio descobre uma choupana, que tem a mesma disposição espacial que a cela de onde fugiram. Nesse ponto, Jarmusch fala do tédio e da irreversibilidade. A fuga dos personagens de Jasmusch é sempre uma fuga interior, uma mera tentativa.

Decerto que Daunbailó é mais otimista que Estranhos no Paraíso. Nesse filme, o tédio e a falta de perspectivas ficam mais aparentes. O estilo fragmentado acentua o caos e a dispersão. Já Daunbailó é mais normativo. Cenas poéticas apresentam uma esperança no fim do caminho. Além da janela pintada por Roberto, há o canto "scream icecream" na prisão, e o belíssimo plano final. A inevitável separação, assim como ocorrera em Estranhos no Paraíso, é na verdade um libelo pela independência e pela esperança.

Apesar da aparente simplicidade estética de seus filmes, Jarmusch é certamente o melhor cineasta da grupo. A economia de recursos de Estranhos no Paraíso deve ser constrastada com seu estilo cool, na preguiça em movimentar a câmera, e no enquadramento quase sempre original. Já Daunbailó surpreende pelo belíssimo uso da luz, especialmente nas cenas escuras, e pela habilidade da câmera em se posicionar em lugares mínimos, como na prisão, o que de certa forma já estava prenunciado em Estranhos no Paraíso. Os travellings do início de Daunbailó já mostram que o cineasta não é tão ingênuo quanto parece. Sua câmera revela um lado comum, um pouco sombrio e melancólico, reforçado pela fotografia em preto-e-branco, de uma Nova York solitária e decadente.

Embora Jarmusch faça questão de dizer que não viu clássicos do nível de E o vento levou e que não gosta dos filmes de John Ford, se sentindo mais influenciado pela literatura que pelo cinema, uma olhadela mais atenta em seus filmes revela algumas referências importantes. É impossível assistir ao encontro dos fugitivos na estrada com uma mulher solitária sem se lembrar de A Grande Ilusão, de Jean Renoir. Em Estranhos no Paraíso, "Tokyo Story" vira o nome de um cavalo, barbada certa para o próximo páreo, mesmo competindo com outros do porte de "Late Spring". Mas a referência mais clara é a do cinema francês da nouvelle vague, especialmente o cinema menos socialmente raivoso de Jean-Luc Godard, como Acossado. A falta de perspectivas, o questionamento da causalidade na narrativa, o interesse por situações banais, o cinema pouco pretensioso lembram os ideais iniciais da nouvelle vague.

Se a década de 80 foram os anos áureos do diretor, a década de 90 apresenta uma diluição de seu trabalho. Nesse sentido, pode-se dizer que a filmografia de Jarmusch vai de Estranhos no Paraíso e termina no fim do primeiro episódio de Trem Mistério. O restante desse filme e o posterior Uma Noite Sobre a Terra são uma diluição do humor cool de Jarmusch. Dead Man e especialmente Ghost Dog são o reverso da moeda, pulverizando o estilo ágil e terno de Jarmusch por um pseudo-tratado filosófico sobre a solidão e a marginalização nos grandes centros urbanos.

O diretor ainda deve ter uma longa filmografia pela frente. Mas ainda que não realize filmes do porte de Estranhos no Paraíso e Daunbailó, Jarmusch já conseguiu um lugar de destaque no cinema dos anos 80 pela originalidade e pela ternura como trata seus míseros personagens dominados pelo tédio.




Imagem do dia:



Um dia ainda quero ser cineasta...




PS: Agradeço ao site Adoro Cinema pelas sinopses... Bem, vocês já sabem...


HASTA!