março 28, 2005

SAUDADE DOS 80 (parte 39)


HOLA!




THE 80'S MOVIES



"Making a film is like a stagecoach ride in the old west. When you start, you are hoping for a pleasant trip. By the halfway point, you just hope to survive" (Director Ferrand (Truffaut) em A Noite Americana)





Martin Scorsese nasceu em 17 de novembro de 1942 em Nova York. Sua paixão pela cidade é perceptível nas telas, mas ele nunca romantizou NY, sempre a mostrou na sua forma mais crua. Descendente de italianos, graduou-se em Cinema pela Universidade de Nova York aos 22 anos. Durante a faculdade, fez vários curtas que foram bastante elogiados. Durante esta época, um jovem crítico chamado Roger Ebert fez rasgados elogios ao filme Who’s That Knocking at My Door? (1969) e este era apenas o primeiro filme de Scorsese.

Fez tanto sucesso que recebeu o convite de um renomado produtor para dirigir Sexy e Marginal (1972). Começava aí os primeiros passos de um dos maiores cineastas da história que redefiniria o cinema americano moderno. Um excelente contador de histórias e dotado de uma virtuosidade extrema na direção. Aborda em seus filmes temas diversos, mas sempre profundos tais como a violência urbana, a máfia, a massificação da TV e seus personagens são complexos e perturbadores.

Seu primeiro grande sucesso foi Caminhos Perigosos (Mean Streets, de 1973) e é um dos seus filmes mais geniais. Scorsese também mostra ser um diretor versátil como podemos perceber na escolha de seus filmes. Nos anos 70, fez desde filme noir até musical. Nos anos 80, há desde dramas até comédias de humor negro. Nos anos 90, abordou temas sobre a Máfia, falou a favor do povo tibetano em Kundun e até abordou um romance impossível durante o século XIX em A época da inocência. Nos últimos anos, voltou a relatar o caos social atemporal, seja como um paramédico no final da década de 90 que vagueia dentro de uma ambulância em NY prestes a um colapso nervoso ou a jornada de um jovem em busca de vingança numa luta sangrenta entre gangues em uma Nova York do século XIX.

No recente Aviador, Scorsese aflora a sua genialidade na arte da direção. Sua capacidade de extrair ótimas atuações do seu elenco é bem evidenciada neste filme que, como disse o Krivo, reinventou o Di Caprio.

Durante os anos 70 e 80, seu alter-ego chamava-se pelo nome Robert De Niro. Pelo andar da carruagem, será que Di Caprio é seu novo alter-ego?

Bem que ele poderia se aventurar na arte de atuar. Suas participações em Taxi Driver e na animação Espanta Tubarões revelam um ator que consegue dar um tom sarcástico fascinante e meio neurótico em seus personagens.

Scorsese é um perfeccionista no sentindo mais amplo da palavra. Seu esmero é extremo em traduzir, em detalhes, os cenários e os figurinos da época em que cada filme está inserido.

Também vale destacar a parceria de Scorsese com o roteirista (e também diretor) Paul Schrader cujos frutos foram Taxi Driver, Touro Indomável, A última tentação de Cristo e a mais atual Vivendo no limite.

Como estou falando dos anos 80, citarei sua filmografia durante esta década.





A cor do dinheiro (1986):
alguém pode fazer ótimas e acrobáticas tomadas de um simples jogo de sinuca (nunca sei a diferença entre bilhar e sinuca) e o tornar excitante? Eis Scorsese. Aqui um ex-campeão (Paul Newman, estupendo) conhece um jovem (Tom Cruise) bastante talentoso e decide ensinar-lhe tudo que sabe. Porém à medida que aperfeiçoa o jogo do jovem, lhe ensinando todos os truques, redescobre sua paixão pelo jogo. Questões como conflito de gerações e o vício pelo jogo poderiam ser abordados melhor, mas não chega a prejudicar o bom padrão do filme.


Touro Indomável (1980):
nesse genial filme cuja fotografia é impecável, encontramos De Niro numa atuação incrivelmente absurda ao viver o pugilista peso-médio Jake LaMotta, O Touro do Bronx, que teve uma carreira meteórica de sucesso no boxe, à medida que sua vida pessoal se dregadava, devido ao seu caráter auto-destrutivo, com seu temperamento difícil e agressivo, além do seu ciúme doentio pela esposa. Scorsese faz a gente babar nas cenas de luta, entremeando um slow motion em sua câmera com panorâmicas velozes. A violência do filme não é só gráfica, é psicológica, é emocional. A montagem excepcional de Thelma Shoonmaker, a atuação monstruosa já citada de De Niro, a profundidade do seu personagem, a melancolia explícita naquela cena final corroboram para sua excelência. Em suma, Touro Indomável é para os cinéfilos, além de obra-prima, uma declaração de amor ao cinema nos seus mais diversos níveis, para os que trabalham ou querem trabalhar na área, é uma aula das boas.


Depois de horas (1985):
Imaginem... Você é um solitário convicto, odeia a mesmice do seu trabalho e da sua vida e, ao acaso, encontra a garota da sua vida. No mínimo vai pular de alegria, não? Imaginem se ela lhe der o telefone? Nossa, bom demais pra ser verdade, não? Aqui a tal garota dá o telefone de uma amiga, o carinha solitário liga e marcam um novo encontro. Maravilhoso, não? Só que Paul, o personagem de Griffin Dune, vai ralar muito até chegar lá nessa ótima comédia de humor negro. Pensem numa pessoa em que a Lei de Murphy se encaixa em gênero, número e grau... Paul deixa voar seus únicos dólares pela janela do táxi, é confundido com um bandido e passa a ser perseguido por uma gangue. E as figuras pitorescas que cruzam no seu caminho? Garçonetes solitárias, artistas boêmios, vendedores, homossexuais enrustidos, garçons... O filme tem um humor refinado, com diálogos inteligentes e uma fotografia sensacional que realça bem as cores fortes mesmo em locais mal-iluminados. Alguns criticam a edição do filme ora muito rápida ora muito lenta e há uma lenda que Scorsese demorou pra finalizar a cena final porque não sabia como terminar aquela noite louca na vida de Paul. Que bom que ele decidiu por aquele ótimo final...


O rei da comédia (1983):
"É melhor ser rei por uma noite do que panaca a vida inteira". Essa frase dita por um comediante em início de carreira (De Niro) revela um pouco desse ótimo filme. De Niro é um candidato a humorista que se acha O CARA. Sua auto-confiança é tão grande que ele não tem vergonha de entrar no carro de um famoso humorista (Jerry Lewis, em uma das suas melhores atuações) e pedir na cara dura para trabalhar no seu programa. Ele é tão egocêntrico que vive num universo particular onde é o centro das atenções e os mais diversos artistas babam nos seus pés. O grande problema é quando ele confunde fantasia com realidade a ponto de construir situações na sua mente e realmente achá-las verdadeiras.

Há uma patologia na Medicina chamada de Mentira Compulsiva onde a pessoa mente sem objetivo claro, mas é evidente que é uma forma de não saber lidar com seu verdadeiro "eu", querendo ser outra pessoa para que os outros a admirem e essa avalanche de mentiras a absorve de tal maneira que acaba tornando aquele universo real. O mintômano não se controla e o grande perigo é quando ele deixa de distinguir o que é real do fictício e chega até a confundir suas próprias memórias.

Envolvido na sua loucura e disposto a tudo pela fama, Pupkin (De Niro) seqüestra o grande humorista e o obriga a participar de seu programa. Apesar do tom humorado, a melancolia é presente em cada fotograma desta película. Pupkin ao confundir realidade com ficção mostra uma velada decepção com seu mundo assim como o solitário Langford (Lewis) cuja vida real é um marasmo só.

Quando era mais nova, babava as cozinheiras dos restaurantes e lanchonetes. Ficava a pensar que me tornaria um Moby Dick se estivesse no lugar delas. Até quando uma cozinheira me disse que não agüentava nem sentir o cheiro da sua própria comida, muito menos experimentá-la. Meu ideal de Tia Nastácia caía ao chão. Vocês já viram o Chico Anysio sendo ele mesmo? Seu mau-humor é notório. Como já afirmei em posts anteriores, eu não consigo achar muita graça nos palhaços. Acho aquela alegria tão artificial, mas é seu trabalho, é seu fardo, assim como é para Langford.

Scorsese nos põe a refletir sobre aqueles personagens reais ou fictícios, mas completamente verossímeis e nos arranca atuações soberbas tanto de De Niro como de Jerry Lewis.


A última tentação de Cristo (1988):
católicos fanáticos de plantão nem devem ter chegado perto desse filme "indecoroso" e "execrável" e nem imaginam que o próprio Scorsese é um católico praticante e que quase vestiu uma batina. Enquanto Mel Gibson veio com seu "espetáculo" visual no ano passado, Scorsese já havia apresentado o melhor filme sobre Cristo. Mudou alguns fatos, mas manteve a essência da vida de Jesus e o humanizou de tal maneira como nunca foi feito na história do cinema.





Vamos imaginar uma situação: você é surdo-mudo (putzz!) ou não sabe reconhecer bem a voz de uma pessoa e vai ao cinema ver a animação Formiguinhaz. Começa o desenho e vemos uma formiguinha deitada numa folha (seu divã) falando pelos cotovelos sobre suas crises existenciais para o analista. Só por essa cena e pelas expressões faciais da formiga percebemos que atrás dela está o grande ator e cineasta Woody Allen. Nascido como Allan Stewart Konigsberg em dezembro de 1935 no Brooklyn, em Nova York, a história pessoal desse baixinho apaixonado por jazz poderia bem virar um dos seus inúmeros filmes geniais. Em cada película, mostra uma faceta da sua personalidade. Podem ser obras de ficção, mas cada personagem tem um pouco desse homem criativo, circunspecto e deliciosamente neurótico.

Aos 15 anos, já usando o nome Woody Allen, começou a escrever para colunas de jornais e posteriormente para programas de rádio. Apesar de ter freqüentado a Universidade de Nova York, não chegou a se formar. Inicia, na década de 60, sua carreira de comediante em casas noturnas. E vocês sabiam que ele ganhou um Grammy em 1964 por um disco chamado Woody Allen, contendo as gravações de seus shows? Em um desses shows, chamou atenção de um produtor que o contratou para escrever e estrelar o filme "O que é que há, gatinha?" (1965), seu primeiro passo para uma carreira irretocável.

Participou também do popular programa The Tonight Show. Escreveu peças, gravou discos, publicou livros. O início da sua carreira cinematográfica se caracteriza por comédias rasgadas tais como Bananas, Um assaltante bem trabalhão e Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo e tinha medo de perguntar.

Nas décadas seguintes, partiu para dramas familiares, conflitos amorosos, encontros e desencontros, mas sem deixar de lado seu humor peculiar. Criou um personagem que entrou para a mitologia cinematográfica: um homem de óculos, franzino, desajeitado e tímido, que socialmente se revelava um intelectual e que encantava as mulheres. Contudo era criar um pouco de intimidade, que a verborragia reprimida se revelava.

Também se revela um grande homenageador do cinema, já que em suas obras há grandes referências temáticas a Bergman, Groucho Marx, Fellini, Eisenstein e até ao grande músico Cole Porter. Retrata com tanta paixão o universo dos seus personagens dentro de Nova York, sua cidade natal, que é considerado o mais nova-iorquino dos diretores.

PS: Eu estou doida pra ver Melinda e Melinda!

Já que é pra falar dos anos 80, eis sua vasta filmografia da década. Fiz questão de incluir Manhattan e Annie Hall porque muitos o viram nos anos 80.

Antes, imaginem um diálogo meio non-sense entre alguns personagens dos filmes de Allen... Hilário seria pouco... E se fosse tipo uma conversa de bar com todos destilando suas neuroses?

Sandy Bates: You can't control life. It doesn't wind up perfectly. Only-only art you can control. Art and masturbation. Two areas in which I am an absolute expert.

Isaac Davis: Hey, how many times a night can you, how, how often can you make love in an evening?

Cliff Stern: Last time I was inside a woman was when I visited the Statue of Liberty.

Andrew: Sex alleviates tension and love causes it.

Elliot: God, she's beautiful... She's got the prettiest eyes, and she looks so sexy in that sweater. I just want to be alone with her and hold her and kiss her... and tell her how much I love her and take care of her. Stop it, you idiot. She's your wife's sister. But I can't help it.

Andrew
: I wonder if geniuses have problems with their sex lives.

Leonard Zelig: I worked with Freud in Vienna. We broke over the concept of penis envy. Freud felt that it should be limited to women.

Isaac Davis: My ex-wife left me for another woman.

Party Guest: I finally had an orgasm, and my doctor said it was the wrong kind.

Danny Rose: I need a valium the size of a hockey puck.

Mickey: A week ago I bought a rifle, I went to the store - I bought a rifle! I was gonna, you know, if they told me I had a tumor, I was gonna kill myself. The only thing that might-ve stopped me - MIGHT'VE - is that my parents would be devastated. I would have to shoot them also, first. And then I have an aunt and uncle - you know - it would've been a blood bath.




Noivo neurótico, Noiva nervosa (Annie Hall, 1977): "Só há pouco descobri que meu grande problema é um desejo intenso de retornar ao útero. Qualquer útero." Essa frase é proferida por Alvyn Singer (Allen) nesse excelente filme vencedor de 4 Oscars. Neste filme, Allen revela as neuroses urbanas, escancara e satiriza as nossas dificuldades afetivas. Singer é um comediante judeu, que apesar do sucesso, vive fazendo análise por causa das suas neuroses e manias. Um certo dia, conhece a cantora Annie Hall (Diane Keaton, fabulosa) e se apaixonam. E sabem aquela ligação de enzima e substrato da Biologia? Annie também é complicada e eles se encaixam perfeitamente. Começam a morar juntos, mas a insegurança de Singer prejudica o relacionamento causando várias crises conjugais. Annie o larga e parte pra Los Angeles onde conhece um novo amor, entretanto Singer não vai desistir tão fácil e irá atrás dela.

Em Annie Hall, Allen é mais Allen do que nunca: as sátiras, as tiradas irônicas ("Não fale mal da masturbação // É sexo com quem eu amo!" ), o ponto de vista peculiar sobre as pessoas e seus relacionamentos, a paixão por Nova York (seu útero). Mas, ao mesmo tempo, é o mais "cinematográfico" dos seus filmes: vários recursos de edição (voice over, flashbacks, cartoon, sem contar o uso originalíssimo de legendas em uma determinada cena) brilhantemente encaixados que fazem a narrativa correr fluida e ainda original nos nossos dias.

Mas também é um história sobre amor e não de amor: Annie Hall é uma tentativa de Alvy Singer de chegar a um closure em sua relação já inexistente com Annie Hall. Somos avisados pelo próprio Alvy no início do filme ("Annie e eu nos separamos") e o que veremos a seguir é uma tentativa de dissecar sua vida amorosa através da análise da história de um namoro acabado. "Eu acho que um relacionamento é como um tubarão. Ele tem que seguir em frente constantemente, ou senão morre. Acho que o que temos em nossas mãos é um tubarão morto". O resultado é agridoce. Assim como o amor o é na vida real.





Memórias (1980):
baseado em 8 ½ de Fellini e com uma notória homenagem aos irmãos Marx (em uma cena ao fundo vê-se uma foto deles), Allen vive o cineasta Sandy Bates que está prestes a receber uma homenagem pelo seu trabalho em um festival. Durante o percurso, ele tem a chance de relembrar seu passado, meditar sobre o presente e sobre o curso de sua obra assim como o da sua própria vida pessoal. O filme é completamente autobiográfico, já que Allen vivenciou essa fase da sua carreira, quando deixou de lado as comédias que fazia para partir para filmes ditos mais sérios como seus dramas existenciais. A abertura do filme é belíssima, na qual vemos Allen e os personagens à sua volta demonstrando suas emoções através de gestos. O elenco é formidável, destacando-se a belíssima Charlotte Rampling. Também vale destacar a fotografia primorosa e a trilha sonora que tem o melhor do jazz: Louis Armstrong, Glenn Miller, Duke Ellington dentre outros.


Manhattan (1979):
Allen aqui é Isaac Davis, um escritor divorciado (sua mulher o largou para ficar com uma "amiga") que se vê numa situação, no mínimo, constragedora já que sua ex-esposa está escrevendo um livro sobre a vida íntima deles. Enquanto isso, ele namora uma adolescente de 17 anos, mas se vê apaixonado pela amante do seu melhor amigo. A fotografia em preto-e-branco é belíssima. O filme não fala sobre Manhattan, mas versa sobre homens que absorvem o espírito dessa cidade solitária, sua busca incessante e egoísta por alguém para fugir da solidão e sentir-se amado. É como diz o personagem de Jude Law no ótimo Closer: "Sou egoísta, acho que vou ser mais feliz com ela".


A era do rádio (1987):
Allen aqui é o narrador dessa história, durante o início da Segunda Guerra, sobre uma família judia que sempre se reunia ao redor do rádio para ouvir seus programas favoritos e os sonhos que nasciam a partir desses programas. Compartilhamos os sonhos e os destinos de cada personagem. Pra variar, uma fotografia belíssima, uma ótima trilha sonora (Cole Porter, Sinatra e até Carmem Miranda) e um elenco primoroso. Uma verdadeira declaração de amor ao rádio.





A rosa púrpura do Cairo (1985):
um dos meus filmes favoritos onde Allen faz uso da metalinguagem para mostrar a dura realidade do seu país contrapondo-se com a magia utópica do cinema. Eu até fico meio boba ao falar da história da garçonete Cecilia (Mia Farrow) que tolera sua vida de casada com um bêbado desempregado e violento e pra fugir da sua realidade, tenta se divertir nas sessões de cinema. Vidrada pelo filme A Rosa Púrpura do Cairo, é apaixonada pelo mocinho da história e se surpreende, ao assistir ao filme pela quinta vez, com o protagonista interagindo com ela e, em seguinte, ele sai da tela e declara seu amor por ela. Só que isso causa maior confusão com os outros personagens do filme que ficam reclamando da ausência do herói da história a ponto de fazer com o que o próprio ator que faz o personagem ir atrás da sua criatura com medo do fracasso na sua carreira. Mas ao conhecer Cecilia também se apaixona e ela terá que decidir entre a realidade e o sonho. Mia Farrow dá a Cecilia uma sensibilidade e ingenuidade que nos faz solidarizar com todos seus infortúnios e anseios. Jeff Daniels também brilha no seu duplo papel (o ingênuo e deslocado mocinho do filme e o próprio ator em pessoa). A edição do filme é primorosa e a trilha cheia do mais puro swing jazz é sempre eficiente. Esta película também analisa a relação do ator com o seu personagem e os limites entre um e outro. E aborda a nossa relação com o cinema e nos pergunta: qual a função do cinema? Somos inertes a tudo que se passa? Muitas vezes torna-se uma válvula de escape; outras vezes, um recanto para reflexão. Arranca-nos lágrimas e sorrisos. Faz-nos tão amigos, confidentes ou mesmo inimigos daqueles personagens que a vontade de ultrapassar a tela e interagir é iminente.


Crimes e pecados (1989):
duas histórias paralelas são contadas aqui. Em uma delas, conhecemos um renomado oftalmologista (Martin Landau) que vê sua carreira e sua vida de casado desmoronar quando sua amante (Anjelica Huston) resolve abrir o jogo pra todo mundo. Na outra história, é relatada a história de um cineasta Cliff Stern (Allen) que, apesar de ser casado, ama outra mulher (é impressionante como ele é uma pessoa constantemente insatisfeita com seus relacionamentos. Oh ser volúvel e volátil! Mas quem nunca foi?). Nesse filme percebemos muito do universo "bergmaniano", principalmente o sofrimento físico e moral das irmãs no ótimo Gritos e Sussuros. Ademais, após o personagem principal pedir ao seu irmão para matar sua amante, deparamos com a discussão moral, os conflitos internos e sentimento de culpa semelhantes ao de Raskolnikov no clássico "Crime e Castigo" de Dostoievski. Um filme sobre escolhas e a conseqüência destas em nossas vidas.


Broadway Danny Rose (1984):
"Em plenos anos 50, um agente teatral de segunda categoria tenta alavancar a carreira de um cantor alcoólatra, mas acaba se envolvendo com a ex-namorada de um gângster e é perseguido por mafiosos".

Comentando: Mia Farrow faz aqui um papel bem diferente dos outros filmes de Allen e a película tem uma atmosfera ora poeticamente saudosista, ora assumidamente expressionista. É singelo e divertido. Há uma frase no filme que resume bem o universo de Allen: "Minha filosofia de vida é a de que é importante brincar um pouco; mas também é necessário sofrer; do contrário, passa-se ao largo do essencial".


A outra (1988):
Gena Rowlands (ótima, pra variar) é uma professora de Filosofia que aluga um quarto pra relaxar e só assim ter inspiração para escrever seu livro. Entretanto o quarto ao lado do seu é um consultório de psicanálise e ela começa a bisbilhotar as conversas do profissional com suas pacientes, principalmente as confissões de uma jovem grávida (Mia Farrow). A Outra é um dos mais "bergmanianos" filmes de Allen e apesar de remeter, várias vezes, a Morangos Silvestres, é uma película muito original. Na verdade, é um filme sobre solidão. Concluímos aqui que ter alguém é um mal necessário. Marion (Rowlands) se enconde atrás de diversas máscaras, coloca uma barreira, um escudo nas suas relações pessoais e ao ouvir as sessões daqueles pacientes começa a refletir sobre sua vida, sobre si mesma. Vale destacar o ótimo elenco e a ótima trilha sempre escolhida a dedo por Allen.


Sonhos eróticos numa noite de verão (1982):
"Três casais se reúnem em uma casa de campo, onde debatem sexo e amor e permitem que seus sentimentos venham à tona".

Comentando: Uma moderna visão pessoal e humorada do clássico de Shakespeare. Os cenários são belíssimos e os dialógos, fantásticos.




Zelig (1983): "Um pseudo-documentário sobre a vida de Leonard Zelig (Woody Allen), o homem-camaleão, que tinha o dom de modificar a aparência para agradar as outras pessoas".

Comentando: um dos roteiros mais originais e geniais que já vi. Aqui Allen usa a metalinguagem para fazer uma análise do ser humano, do american way of life, da Alemanha que se erguia para a Guerra, das mazelas da sociedade atual e não seria Zelig uma anomalia das doenças da modernidade, onde as pessoas correm com grande intensidade para cumprir com suas rotinas de vida e tem que se adaptar constantemente a novos ambientes, situações e pessoas? O que existe de Zelig dentro de cada um de nós? Em relação ao gênero cinematográfico, quais os limites entre a ficção e o documentário? Como diz o crítico Eron Fagundes: "Zelig é a materialização da tese de que o documentário e a ficção estão mais próximos do que se pensa".


Setembro (1987):
"É agosto. Numa casa de campo em Vermont, seis pessoas passam o útimo dia de verão. Um cenário ideal para Woody Allen costruir um tocante drama sobre o amor, a amizade e a família ao seu modo inconfundível de fazer cinema. Numa ciranda de paixões, Lane (Mia Farrow), a dona da casa, ama um publicitário, Peter (Sam Waterston), que alugou sua casa de hóspedes. Mas, Peter ama Stephanie (Dianne Wiest), que se sente vazia com o fracasso de seu casamento. Há ainda Diane (Elaine Strich), a mãe de Lane, e o vizinho Howard (Denholm Elliot) que ama Lane, para fechar o círculo. Nesse mundo fechado da casa de verão, os personagens compõem um painel de aspirações e obsessões, que Woody Allen explora como niguém". (Point Video)

Comentando: mais um filme "bergmaniano". E mais uma vez ele disseca com maestria o ser humano e suas conturbadas relações.


Hannah e suas irmãs (1986):
"O coração é um órgão muito elástico". Essa frase dita por Mickey (Allen) na cena final sintetiza muito bem esse soberbo filme sobre relacionamentos que adapta o universo do grande cineasta Eric Rohmer ao mundo americano. O patriarca da família vive reclamando da sua esposa que sempre flerta com qualquer um, Holly (Dianne Wiest, magnífica) acabou de se livrar do vício das drogas e não tem idéia do que fazer da vida, abre um serviço de buffet com uma amiga (Carrie Fisher), mas ambas se apaixonam pelo mesmo cara e quando o arquiteto escolhe sua colega, acaba-se o negócio e a amizade. Lee (Barbara Hershey) vive uma vida acomodada com Frederick (Max von Sydow), um homem culto, pintor, arrogante que recusa o casamento e que é mais um pai, um tutor para ela que um amante. Não sabe Lee que é o centro do universo do seu cunhado Elliot (Michael Caine, excelente), segundo marido da sua irmã mais velha Hannah (Mia Farrow). Hannah é um atriz que voltou a fazer sucesso e segura as pontas de toda família e ainda tem que agüentar as neuroses do ex-marido Mickey (Woody Allen), um produtor de tv altamente hipocondríaco e paranóico que após quase ter o diagnóstico de um tumor no cérebro, começa a procurar um sentido na vida e até passa a procurar uma religião em que apóie sua vida.

Nesse ritual de encontros e desencontros, notamos a frivolidade das relações e percebemos que em alguns relacionamentos há uma questão muito mais de posse que amor propriamente dito. Elliot sempre quis Lee, mas quando isso se torna concreto, mesmo após Lee largar Frederick, a magia é perdida e devido as tentativas frustras de dar um fim no seu casamento, Lee desiste de Elliot e parte pra outra.

Enquanto ainda estava no mundo "encantado" das drogas, Holly, por intermédio de Hannah, sai com Mickey. Mas um não tolera o outro como é bem percebido no seguinte trecho: "Holly: Don't you just love songs about extra-terrestrial life? Mickey: Not when they're sung by extra-terrestrial life". E podem até me bater pelo que vou falar agora: Hannah pode ser adorável, meiga, prestativa, mas por trás daquela máscara, encontra-se uma mulher manipuladora e centralizadora. Perceberam quando Holly fez um roteiro baseado nela, ela teve uma crise histérica? Hannah se disfarça de mulher amável, filha querida, irmã camarada, mãe zelosa (e não que ela não seja), mas ela reprime seus sentimentos, não se revela em nenhum momento, é uma esfinge, tem aquele jeito passive-agressive que é muito mais evidente em outro personagem de Mia Farrow no filme Maridos e Esposas. Um filme divertido, reflexivo, melancólico... Em suma: genial!


Tanto Allen quanto Scorsese juntamente com Francis Ford Coppola participaram do filme Contos de Nova York que já citei em um post anterior.


Image hosted by Photobucket.com



Nascido em dezembro de 1947, esse norte-americano de Ohio, é um dos diretores mais influentes do cinema mundial. Amado por uns que o chamam de gênio (eu, inclusive) e odiado por outros que o chamam de responsável pelo processo de infantilização no cinema, Spielberg mostra sua versatilidade em filmes nitidamente blockbusters que abusam dos ótimos efeitos especiais (Jurassic Park, Indiana Jones, Tubarão) como também consegue dar um outro prisma em filmes superficialmente considerados pipocas como E.T., Minority Report, A.I. e Contatos Imediatos, onde há uma mensagem subliminar bastante reflexiva. E ainda nos presenteou com a obra-prima A lista de Schindler. Guerra dos Mundos vem aí!!!





Império do Sol (1987): "Jim Graham (Christian Bale) é um garoto de 11 anos de uma família inglesa que vive no Oriente. Jim tem um padrão de vida alto, mas de repente é separado de seus pais em virtude da China ser invadida pelo Japão. Isto o força a se defender e o obriga a crescer, tornando-se então um sobrevivente em um campo de concentração com rígidas regras".

Comentando: Alguns acusam esse filme de exemplo nítido do sentimentalismo e maniqueísmo de Spielberg, mas é um belíssimo filme que relata o valor da amizade e o processo de amadurecimento diante das mazelas da guerra. O filme tem um ótimo elenco encabeçado pelo garoto Christian B.B. Bale (B.B.= Bateman Batman) e cenas lindas (o rastro de luz não é uma bomba, o gosto comum de raças diferentes que cria uma improvável amizade e que sobrepõe a guerra, o olhar melancólico e vago de Jim no reencontro com os pais etc)que ficam mais marcantes e sublimes na presença da bela trilha de John Williams.... a Em Império do Sol, Spielberg filma a tensão de Jim (Bale) entre a realidade e o sonho. Cinematograficamente, vence o sonho. As melhores cenas são justamente aquelas que mostram algum encanto, como aquela em que Jim toca pela primeira vez suas minúsculas mãos num avião e em seguida bate continência para três oficiais japoneses. Neste rápido instante, Spielberg aparece inteiro, deixando claro que o universo da fantasia é seu verdadeiro império do sol.


Além da eternidade (1989):
"Peter Sandich (Richard Dreyfuss) é um aviador que combate incêndios florestais e morre em um acidente. Ao chegar no Paraíso é apresentado a um anjo, que estimula o espírito de Peter a voltar para passar seu know-how para seu jovem sucessor, Ted Baker (Brad Johnson) e para ajudar Dorinda Durston (Holly Hunter), uma orientadora de vôo, a esquecê-lo. Após voltar como uma aparição invisível, Sandich acaba descobrindo que Ted está apaixonado por Dorinda".

Comentando: um bela aventura romântica com atuações marcantes, uma excepcional fotografia e cenas aéreas de cair o queixo. E ainda tem uma participação especial da minha diva Audrey Hepburn.


A cor púrpura (1985): "Georgia, 1909. Em uma pequena cidade Celie (Whoopi Goldberg), uma jovem com apenas 14 anos que foi violentada pelo pai, se torna mãe de duas crianças. Além de perder a capacidade de procriar, Celie imediatamente é separada dos filhos e da única pessoa no mundo que a ama, sua irmã, e é doada a "Mister" (Danny Glover), que a trata simultaneamente como escrava e companheira. Grande parte da brutalidade de Mister provêm por alimentar uma forte paixão por Shug Avery (Margaret Avery), uma sensual cantora de blues. Celie fica muito solitária e compartilha sua tristeza em cartas (a única forma de manter a sanidade em um mundo onde poucos a ouvem), primeiramente com Deus e depois com a irmã Nettie (Akosua Busia), missionária na África. Mas quando Shug, aliada à forte Sofia (Oprah Winfrey), esposa de Harpo (Willard E. Pugh), filho de Mister, entram na sua vida, Celie revela seu espírito brilhante, ganhando consciência do seu valor e das possibilidades que o mundo lhe oferece".

Comentando: um épico melodramático, com atuações magistrais, principalmente de Whoopi Goldberg, belíssima fotografia e uma trilha arrebatadora. Um filme que realmente faz chorar...

Na década de 80, Spielberg também dirigiu E.T. (1982), Poltergeist (1982), No limite da realidade (1983, Twilight Zone: The Movie) e a trilogia Indiana Jones (1981, 1984 e 1989).






PS: Devido a minha preguiça em certos momentos, pedi ajuda ao site Adoro Cinema. Valeu pelas sinopses gentilmente roubadas!



HASTA!