dezembro 23, 2004

Uma história para contar


HOLA!



Pela janela embaçada do quarto, ela presenciava a chuva tórrida que caía na cidade. Poucos carros passavam pelas ruas quase que desertas, várias luzes acesas nos prédios ao redor, decorações de Natal que irritavam seus olhos.

Final de ano sempre dá aquela vontade louca de não estar sozinho. Shoppings lotados com os retardatários a comprar os presentes e todos ingredientes para ceia. Nem a chuva conseguia atrapalhar o turbilhão do consumismo. Nessa época do ano vendem-se corações frágeis e em liqüidação. Definitivamente sua vida amorosa era um assunto nada agradável.

As gotas da chuva que deslizavam pela janela confundiam-se com suas lágrimas. Afastou-se um pouco da janela e olhou para trás. As luzes da sua árvore piscavam lentamente, de uma forma seqüenciada, mecânica, assim como sua vida foi até aquele exato momento.

Sentia que o apartamento cada vez mais a sufocava e repentinamente abriu a porta e saiu correndo pelas escadas. Gritos e gargalhadas entremeados com um choro contido ecoavam em alguns andares. Passou como um foguete pela portaria e berrou profundamente enquanto a chuva molhava seu corpo.

Era bastante tarde, mas nada a impedia de caminhar por aquelas ruas mal iluminadas. Garotas de programa, cafetões, drogados, garotos de rua, todas as espécimes diárias da noite olhavam incrédulos para aquela que passava por eles, sem receio e com um sorriso estampado na face.

Carros esporadicamente paravam e faziam a festa das trabalhadoras noturnas. Um audi pára próximo e a acompanha por alguns quarteirões. Um belo rapaz de traços latinos e hipnotizantes olhos azuis insiste em fazer gestos para ser percebido.

Finalmente a primeira troca de olhares. Ela sai do seu transe por uns momentos e olha ao redor. A chuva volta a castigar a cidade, caem como chicotadas no seu peito, agacha-se e começa a chorar.

Uma bela aeromoça sorri e lhe mostra o seu assento. Poltrona da janela para se assegurar que o avião não vai cair. Chove bastante, turbulência e mais turbulência, nervosismo, avisos de segurança, choque... Aquele era o momento para o choque, o derradeiro momento.

Uma mão que tentava impedir que mais lágrimas caíssem a acordou dos seus devaneios. Aquele frio impiedoso, o maldito Natal e aquele sorriso que começava a se abrir e que fazia iluminar mais ainda aquele lindos olhos azuis foram mais que convidativos.

Percorria por desconhecidos corredores estreitos e sujos até parar em frente a uma porta que ficava ao lado da janela do andar. Uma gritaria generalizada no corredor deteve sua atenção. Alguns apartamentos abertos, as ceias quase na mesa. Um casal discutia vigorosamente, um bebê chorava, uma idosa e sua bombinha para asma, uma família se despedindo de todos forçosamente. Olhou novamente pela janela. Tudo previsivelmente igual.

Durante a madrugada, acordou e o viu a seu lado. Aquele homem inominado a conheceu mais que ninguém, sem disfarces, sem mentiras e nem tinha percepção de como foi importante para ela. Admirava seu rosto, enquanto lembrava os momentos de paixão e loucura que tinham acabado de vivenciar.

Levantou-se e a curiosidade de saber quem era aquele estranho aumentava. Bebeu um copo de leite e ficou a remexer alguns papéis em cima da mesa. Entre os papéis, encontrou uma grande pena branca. Apertou-a entre os dedos.

Adorava parque de diversões e certa vez foi com sua turma de colégio para um grande parque que acabara de chegar na cidade. Adrenalina pura, muito frio na barriga, enfrentava como uma guerreira todos os brinquedos, mas detestava ir na montanha-russa e sua peculiar sensação iminente de desfalecimento. Temia a montanha-russa, temia a vida...

Escondeu a pena em um dos seus bolsos, enquanto ele bocejava e a chamava novamente ao seu encontro. Horas depois, enquanto ele dormia profundamente, deixou uma carta e saiu. Ainda chovia...

De uma forma totalmente inesperada, encaixava-se com os habitantes noturnos das ruas, talvez sua falta de perspectiva, sua apatia confundia-se com a deles. De uma forma ou de outra, todos eram iguais.

Enquanto caminhava, lembrava do texto de agradecimento que deixara aos olhos azuis. Por um momento, uma vontade louca de voltar e dar sua ficha completa governou seus pensamentos. Arrepender-se agora era tarde demais.

Todas as janelas são iguais, só mudam a caixa postal. Recordou tudo que passara nas últimas horas e já parecia tão longínquo.

Recordações... Papai Noel a visitou pela última vez aos 11 anos. Lembrava detalhadamente o seu pedido. Gostaria de ter asas para poder voar e nunca mais voltar.

Terapias para neutralizar as correntes telepáticas entre ela e o bom velhinho foram realizadas todo final de ano. Mas essa noite todos estavam longe. Ainda chovia pela janela do seu quarto. Aquela janela chorosa... Lágrimas confundidas no meio da chuva, um sorriso inesperado... Finalmente recebeu o presente que há tantos anos esperava.



THE END!!


PS: Feliz Natal pra todo mundo e um ótimo 2005!!




HASTA!