novembro 25, 2004

O amor está no ar


HOLA!



O que seriam dos romances sem a química do casal, sua sintonia, cumplicidade e claro seus beijos, seus gestos de carinhos, seus olhares, ciuminho bobo, briguinhas, lágrimas, diálogos inspirados... Antes de começar o meu texto, resolvi fazer uma homenagem aos beijos que encantaram multidões nos cinemas.

Como adoramos torcer por casais apaixonados... Não importa sua opção sexual, o importante é amar e ser amado. Lembro-me de que até torci por um romance nada convencional entre a Natalie Portman e o Timothy Hutton no bacaninha Beautiful Girls, infelizmente não vingou, já que o saudoso Ted Demme foi mais moralista que eu.

Vocês sabiam que o primeiro filme que teve uma cena de beijo se chama, de forma nada criativa, The Kiss e foi realizado em 1896? Sabiam também que a Vivian Leigh detestava beijar o Clark Gable em E o vento levou devido seu mau hálito insuportável?


Sabiam que o beijo mais longo do cinema foi dado pelo casal Jane Wyman e Regis Toomey no filme You're in the Army Now (1941) e durou três minutos e cinco segundos? Sabiam que fizeram um ranking para os melhores beijos da história do cinema e quem ganhou foi o singelo beijo da animação A Bela Adormecida? Sabiam que o recorde de beijos em um só filme pertence ao ator americano John Barrymore que "lascou" 127 beijinhos nas atrizes Mary Astor e Estelle Taylor em 1927 no filme Don Juan (Difícil saber quem era seu personagem, não é?). Como diz a canção clássica de Casablanca "A kiss is still a kiss/(...) The fundamental things apply as time goes by..."





















Eu tentei, juro que tentei desvincular de uma forma direta (indireta é impossível!) esse blog da minha pessoa. Eu sei que se alguém me conhece um pouco melhor vai encontrar inseridos nos textos um pouco de Karinne ali, um pouco de mim acolá. E é justamente agora que quero comentar sobre o belíssimo filme ANTES DO PÔR-DO-SOL, é quase que impossível escrever algo sem que confidencie algo mais íntimo e pessoal. Aquela cena lembra um certo namorado, aqueles diálogos tão conhecidos, certas neuroses peculiares a uma certa garota...

Em um ano fraco para o cinema (pelo menos até o exato momento), onde a maioria das exceções foi exibida antes da cerimônia do Oscar, é salutar percebermos uma guinada maravilhosa em um gênero fadado a ser contra-indicado para diabéticos.

Se você está entre 12 e 16 anos e se é uma garota, indubitavelmente se lhe perguntarem qual seu estilo de filme predileto, dirá sem titubear: R-O-M-A-N-C-E.

Entretanto nunca fui uma adolescente padronizada. Enquanto as garotas eram vidradas no Tom Cruise (não que não fosse rss), C. Thomas Howell, Rob Lowe e outros galãs oitentistas, preferia o olhar enigmático do Yul Brynner e os olhos azuis e o sorriso estonteante (ai, esse é meu ponto fraco, arrebenta-me...) do Paul Newman, que segundo meu ponto de vista, é o homem mais belo que já vi!!



Enquanto as meninas da minha geração veneravam o romance entre John Travolta e Olivia Newton-John em Grease, encantava-me mais com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman no inesquecível e atemporal Casablanca. Sempre fui diferente, não encaixava na regra geral, era rotulada de excêntrica, com gostos duvidosos, pseudo-intelectualóide...

Sou do partido GOSTO DE FILMES BONS, uma vez que não escolho por gêneros, mas pela qualidade da história que nos é contada. O romance ultrapassa as barreiras dos gêneros, está inserido tanto na comédia, no drama, na ficção científica, no western, ou seja, faz parte de todas as histórias de nossas vidas. O que seríamos sem amores para viver e contar?

Esse ano nos encantamos com o intimista Encontros e Desencontros, surpreendi-me com o belo Diário de uma paixão e declarei meu amor a Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Até Kill Bill é, no fundo, uma história de amor. E no início deste mês percebi que algumas continuações podem nos tocar até mais do que imaginamos ou mais que o filme que lhe deu origem.



Há alguns anos, tive o prazer de vasculhar a prateleira da minha locadora e pegar um filme totalmente desconhecido, entretanto ao ler a sinopse, encantei-me imediatamente. Se a premissa já era interessante, durante a projeção vi que não era um filme qualquer, um romancezinho corriqueiro e banal, não se baseava em ação com adrenalina mesclada com tensão sexual, muito menos com jovens fúteis e estúpidos e a figura folclórica do garoto(a) tímido(a) que vive um amor não correspondido e que depois de idas e voltas, finalmente consegue seu lugar ao sol. Adversamente, Antes do Amanhecer era sensível, mostrava que podemos nos apaixonar apenas ao conversar, sem efeitos especiais ou fantoches perfeitinhos por trás.



Uma das cenas que mais me fez chorar foi a última visão dos lugares que Jesse e Celine passaram durante aquela noite em Viena. Que saudade absurda... Não queria me separar daqueles que se tornaram tão próximos de mim, vivenciei a química absurda descoberta ocasionalmente em um trem, a aceitação impulsiva e meio louca da proposta de passar uma noite a esmo em Viena, a admiração mútua, a sintonia, o amor e a paixão nascidos e o sofrimento iminente da despedida. Cada hora vivenciada juntos é esfuziante, contanto dilacerante pelo tempo que mingua..



Quando vi o filme pela primeira vez, era ridicularmente romântica. Idealizava amores, mantinha a mesma mania de amar unilateralmente (sou fiel aos meus conceitos rss) e sofria tanto com um olhar desviado... E aquele conto de fadas acertou em cheio um coração tão facilmente manipulável.



Como é delicioso o processo de enamorar, como todas as coisas ao redor se tornam mais belas, mais saborosas, os problemas mais facilmente contornados, sorrisos estampados nas faces... Celine tentando desviar o olhar de Jesse enquanto ouvem uma música em uma cabine, a súbita timidez que empera nos amantes. Os dialógos são tão fortes e tão próximos do nosso cotidiano, são tantos memoráveis que citar um ou outro seria terrivelmente injusto.



Lembram do conceito dado por Jesse sobre almas gêmeas: de que somos parte de uma mesma pessoa do passado. Será? E ela que se sente uma velha contrapondo-se a ele e que no momento que se beijaram no carrossel era uma velha de 83 anos beijando um garoto... As idealizações amorosas, o porquê das imperfeições humanas, o amigo imaginário, o poema, o diálogo no telefone, na cabine, são tantos...



Em especial, há um diálogo já perto da despedida que me tocou bastante. Ela está deitada no colo dele e diz que seria sim capaz de amanhecer todos os dias com ele, de ouvir as mesmas conversas, de descobrir a roupa que ele iria vestir, e que no dia que tivesse isso com alguém, saberia que aquilo é amor.



E aquelas paisagens belíssimas? Acompanhamo-nos pelas ruas, becos e vielas de Viena e o filme discorda de Celine quando ela afirma que nos quadros os ambientes são mais importantes que as pessoas que aparecem desfocadas, aqui quando vemos os lugares que eles passaram sem ambos, a tristeza e melancolia são pungentes. Estava a partir daí orfã...



No final, divagamos o que teria acontecido com o casal... Voltaram a se reencontrar seis meses depois? Será que o americano Jesse e a francesa Celine ultrapassaram todos os empecilhos e finalmente ficaram juntos? Naquela despedida agoniante, sobrenomes não foram ditos, não trocaram telefones, somente o pacto de voltar a se verem após seis meses em Viena. É isso e muito mais que ANTES DO PÔR-DO-SOL tenta nos responder.



Nove anos se passaram tanto para eles como para nós. Não possuem mais o frescor da juventude e isso não só é perceptível pelo processo natural de envelhecimento físico (impressionante como estão raquíticos e não tão mais belos), mas também pelo amadurecimento de seus personagens. Jesse agora é um escritor famoso fazendo a divulgação de seu livro em Paris. Enquanto tenta se desenvencilhar das indagações dos jornalistas a respeito do seu livro ser ou não autobiográfico, ele vislumbra a imagem que tanto queria ver seis meses depois que partiu de Viena. Celine sabia de sua passagem em Paris e resolveu vê-lo. É nesse reencontro que novamente percebemos a interação natural entre os atores, será que eles não se amam na vida real? Ambos não conseguem conter a emoção apenas com o olhar.



De forma oposta a Antes do amanhecer, aqui somos apresentados inicialmente a todas belas paisagens parisienses em que Jesse e Celine irão passar, dando-nos uma sensação de expectativa e ansiedade. Novamente o amor luta contra o tempo, além da perda da cumplicidade. A separação novamente é iminente. Como recuperar em poucas horas a intimidade perdida? As conversas evoluem, mas o constrangimento é notório quando ele a coloca no colo... O contato físico os perturba.



Enquanto no primeiro filme, somos apresentados a um Jesse mais cético, retraído, aqui o vemos desapontado, mas que não mede esforços em se expor, colocando literamente seu coração nas mãos de Celine. Já ela encontra-se retraída, insegura, reticente, já que suas relações foram todas frustrantes e apáticas. Ademais está temerosa por imaginar que Jesse esteja feliz e realizado com o casamento e o filho. Seu comportamento está explícito quando ela fala que a memória é uma coisa boa quando não temos que lidar com o passado.



Realizado em longos planos, em tempo real, Richard Linklater acerta novamente não só na sua direção primorosa e segura como no roteiro cheio de simbolismos, com diálogos inspirados, inteligentes que variam de frivolidades até assuntos mais sérios como política, profissão, diferenças culturais, além de versar sobre frustrações, lamentações, conquistas, amores e desamores e obviamente sobre aquela noite em Viena.



Os filmes do Linklater já vêm com selo de alta qualidade, deliciosos de se assistir. Escola de rock, Waking life e os dois filmes em questão são inteligentes, sabem entreter com qualidade, sem ofender nossos neurônios e nos faz pensar, refletir, sorrir, chorar... E o que torna esta película ainda mais verossímil é o fato dos próprios protagonistas, Ethan Hawke e Julie Delpy, serem co-roteiristas dessa inesquecível história de amor.



A cada minuto que se esvai, aquela sensação de despedida nos aflige novamente. A nossa identificação é imediata: somos Jesse, somos Celine, eles são um pouco de cada um de nós.



Interessante é perceber que pela ótica do amor até conseguimos ver beleza em locais comuns, como os olhamos de forma diferente tal como a cena do barco. E continuamos loucos para que o maldito tempo páre, dê uma trégua para que eles se acertem, mas a agonia é cada vez maior, o temor da despedida e a falta de perspectiva de um novo encontro fazem as máscaras caírem.

Jesse mantém uma vida cômoda e enfadonha e fez o livro numa medida desesperada de reencontrar Celine. Ela finalmente expõe seus sentimentos ao mostrar sua revolta após ler o livro, por constatar que não consegue amar, por viver uma vida de comparações, porque eles continuam a amar a idealização de ambos naquela noite em Viena e o que resta é decepcionante.

O reencontro entre os dois representa uma viagem de volta à juventude quando acreditavam no amor, nas pessoas, na felicidade. Juntos sentem-se vivos novamente. Não é apenas um filme para românticos, mas também para os céticos que, alguma vez em suas vidas, já amaram.



A cena em que ela tenta tocá-lo no carro e o momento em que eles sobem, silenciosamente, as escadas valem mais que muitas cenas de beijo ou de sexo que infestam o gênero, uma vez que é de uma sensibilidade singular, de uma tensão emocional absurda e fez com que eu entremeasse risos e lágrimas compulsivamente durante a sessão.




Mais lágrimas foram jorradas quando Celine toca sua valsinha, A Waltz for a night, umas das mais belas declarações de amor proferidas no cinema. E o final em aberto não poderia ser melhor, nada convencional, é tão real que cabe a nós imaginar o que acontecerá. O momento da despedida é tantas vezes adiado que para nós pode ser para sempre... Ao som de Nina Simone, o último diálogo... "Celine: Baby, you're gonna miss that plane. Jesse: I know". Uma coisa é certa: eu também perderia aquele vôo...



Esse filme me fez repensar sobre certas atitudes e opiniões atuais, o filme pôs em cheque toda a minha ladainha incansável e irritante, já que a conexão entre Jesse e Celine desafia o tempo, o espaço, as diferenças. Lembrei-me da Karinne ridicularmente romântica de anos atrás, as marcas do tempo não eram só físicas... Agora estou a fim de voar, sair da defensiva, porque amar pode nos fazer sofrer e que nem sempre o sentimento será recíproco... Mas que nunca, nunca mesmo, podemos desistir de tentar.


Música do dia:


A Waltz For a Night
(Julie Delpy)

Let me sing you a waltz
Out of nowhere, out of my thoughts
Let me sing you a waltz
About this one night stand

You were for me that night
Everything I always dreamt of in life
But now you're gone
You are far gone
All the way to your island of rain

It was for you just a one night thing
But you were much more to me
Just so you know

I hear rumors about you
About all the bad things you do
But when we were together alone
You didn't seem like a player at all

I don't care what they say
I know what you meant for me that day
I just wanted another try
I just wanted another night
Even if it doesn't seem quite right
You meant for me much more
Than anyone I've met before

One single night with you little Jesse
Is worth a thousand with anybody

I have no bitterness, my sweet
I'll never forget this one night thing
Even tomorrow, another arms
My heart will stay yours until I die

Let me sing you a waltz
Out of nowhere, out of my blues
Let me sing you a waltz
About this lovely one night stand



PS 1: Quem acertar o nome de todos os filmes que coloquei aqui, ganha um brinde da KK.
PS 2: Quem quiser ouvir a valsinha que a Celine canta para Jesse, clique aqui .





HASTA!!!

novembro 21, 2004

Uma homenagem aos filmes noir e ao cinema


HOLA!



Se Almodóvar fez uma homenagem ao amor no fenomenal Fale com ela, aqui ele faz uma grande homenagem aos filmes noir e a própria sétima arte. Muitos o consideram superestimado, sou suspeita a dar uma opinião já que sou fã do seu trabalho desde trabalhos de menor qualidade como Mulheres à beira de um ataque de nervos ou Ata-me. Muitos falam que sua obra máxima é o oscarizado Tudo sobre minha mãe, mas o meu top 1 até agora é Fale com ela .

Lembro que estava fazendo controle do meu consumismo, mas quando vi a trilha sonora do filme, não consegui me desenvencilhar. Aquela trilha me deixou em um estado meio catatônico, meio histérica, se é possível e eu tinha que tê-la.

Aquela cena inicial com a coreografia visceral da Pina Bausch já tinha deixado estupefata, removeu todas as minhas defesas infundadas e ao conhecer os personagens cada vez mais sentia juntamente todas suas dores, amores, paixões, saudades, insensatez, insanidade. Tentar descrever o amor é um desafio nas nossas vidas e o cinema sempre busca desvendar suas mais diversas nuances, contudo poucos filmes acertam como Fale com ela.



Em Má Educação, vemos todas as características peculiares ao Almodóvar: muita cor, personagens pitorescos, exagero pertinente, muito calor. Só que aqui vemos um Almodóvar muito mais maduro e nos mostrando um clima muito mais sombrio.

Os créditos iniciais à Saul Bass e Bernard Herrmann, colaboradores de Hitchcock, querem nos mostrar como nossas vidas podem ser "picotadas", tornando-se um emaranhado de redes desconexas, papéis avulsos, sem sentido e aquela imagem final antes do início do filme nos parece tão utópica. A vidinha certinha está muito longe do universo do Almodóvar.



Após anos de ausência, Ignacio reencontra seu antigo colega de colégio Enrique, famoso diretor em um momento nada especial, já que está com bloqueio total para o trabalho. Durante esse reencontro, Ignacio oferece a Enrique uma cópia de um roteiro para um filme baseado na vida deles durante suas permanências no colégio interno dirigido pelo temível Padre Manolo. Se as cenas relembradas dessa infância são temíveis, todavia são de um lirismo profundo, em especial aquela cena onde Ignacio canta Moonriver em espanhol. Através daquele ambiente sufocante e sombrio, ele descobrem o amor, a amizade e também a crueldade e maldade do ser humano.

Encabeçado pelo sempre ótimo Gael Garcia Bernal (como ele é lindo, mesmo transvestido de mulher), o filme conta com atuações memoráveis de todo restante do elenco, incluindo a participação pequena, mas inspirada do Javier Camara. E é impressionante como o Almodóvar sempre acerta na trilha sonora. Ela é arrebatadora e intensa (mais um prejuízo para meus bolsos já tão vazios!!).

Enquanto os filmes americanos são repletos de pudor, aqui temos closes em corpos desnudos, abdomes perfeitos, olhares sensuais e enigmáticos, sempre ambíguos. Prestem atenção e perceberão que todos os atores usam lápis nos cílios, fato este que dá mais notoriedade a dualidade dos seus personagens.



Se você resume este filme a um romance homo-erótico, ou uma tentativa apenas de penetrar na ferida dos segredos escondidos e das atrocidades cometidas pela Igreja, estaria sendo infiel à proposta do Almodóvar. Aqui ele cria diversos gêneros dentro de um só, é um filme dentro do outro, os personagens se confundem, nada é facilmente elucidativo, personagens não são unidimensionais, não há maniqueísmo, não há espaço para moralismos, hipocrisias. Eles podem estar em cada fotograma da película, mas são jogados no ventilador, são destrinchados, dissecados de uma forma bastante sincera, sem dramalhões.

Ademais há um quê de alter-ego no Enrique que torna aqueles ótimos créditos finais ainda muito mais interessantes. Realmente ele continua a fazer filmes com a mesma paixão e cada vez melhor...



HASTA!

novembro 19, 2004

Boa pedida


HOLA!


Até que vi bons filmes nos últimos dias. Estar sem computador tem suas vantagens.


O closet

Revi essa deliciosa comédia francesa. Bem dirigida, roteiro inteligente e sensível, além de ótimas atuações. François Pignon (Daniel Auteuil) descobre que vai ser demitido após ser excluído do enquadramento da foto da empresa. Sua vida já é enfadonha, todos o consideram um chato, sua mulher o largou há dois anos e ele ainda não sabe lidar com a dor da separação, seu filho tornou-se um estranho e foge dos seus encontros e para piorar nem uma tentativa de suicídio digno ele consegue. Sua vida pode ser resumida numa frase genial quando ele mesmo cita que durante seu nascimento, o obstetra pedia pra sua mãe empurrar e ele já tinha saído do seu ventre e o médico nem tinha percebido, ratificando como sua vida era insignificante.

Todavia, a chegada do seu novo vizinho muda todo seu cotidiano. Pignon resolve aceitar a proposta de mentir sobre sua sexualidade para segurar o emprego. E não só dá certo, como se torna popular. Tal como o conto de Machado de Assis, "Quem conta um conto aumenta um conto", uma sucessão de mentiras criam situações inusitadas, mudanças de comportamentos, de atitudes que mudarão suas vidas para sempre.


Dolls

Com uma estética que faz homenagem a Sonhos de Kurosawa, esse belo filme nos relata que para alguns os limites entre o amor e a obsessão são deveras tênues e que um coração dilacerado pode desfragmentar uma mente. Quais são os verdadeiros limites para quem ama? Ou quem sabe os limites do significado dessa palavra tão mal usada denominada AMOR? Só um alerta: nunca seja um fantoche do mal falado amor, você até pode ter segundos de uma alegria infinita, contudo o final nunca será clichê.


Sonhos

Obra-prima do mestre Kurosawa. Se pudesse haver uma definição de pintura dinâmica, com movimento, este termo encaixar-se-ia perfeitamente a essa obra de arte. Com a sua genialidade e a ajuda magnífica da ILM do George Lucas, foi concebida essa epopéia da degradação da humanidade através da natureza.

Das diversas histórias contadas durante o filme, vale destacar o final belíssimo do primeiro sonho, a história do comandante solitário e amargurado, a dos três sobreviventes à radiação, dos efeitos desta na natureza e no próprio homem (ou ogro?) e o último sonho que significa a volta do homem ligado à natureza, ao cultivo da terra, ao respeito pela vida e seu devido valor.

Ao rever o filme, não tirava da minha cabeça um certo poema do Manoel Bandeira que li ainda criança.


O Bicho

Vi ontem um bicho,
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão.
Não era um gato.
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.



O poema nos mostra a degradação humana na qual o homem está nivelado a um bicho, ratificando a comparação explícita no texto. E é essa mensagem de conscientização que Kurosawa quis deixar. Pra mim, ver Sonhos além de um grande prazer, é um dever como cidadão, é um auto-retrato como aquele de Van Gogh. O maior perigo da humanidade ainda continua sendo nós mesmos.


Os guarda-chuvas do amor


Vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 1964, foi o primeiro filme da história do cinema cujos diálogos são totalmente cantados. Dirigido com perfeição por Jacques Demy e com uma trilha terna e apaixonante composta por Michel Lengrand, o filme nos conta a história de Geneviére (a belíssima Catherine Deneuve), filha da dona de uma loja de guarda-chuvas, que se apaixona por um rapaz que trabalha em um posto.

Dividido em três etapas, podemos achá-lo inicialmente bastante pueril, adocicado, mas ao poucos vemos quão crível ele é, porque os jovens são imaturos na arte de amar, empolgam-se facilmente, são movidos a paixonites e pseudo-amores. E é justamente na segunda etapa do filme que comecei a me solidarizar com a dor de Geneviére e seu clímax é mais do que perfeito por ser verdadeiro, sem clichês.

Grande destaque deve ser dado à direção de arte e fotografia impecáveis do filme. O contraste do colorido dos guarda-chuvas com os dias chuvosos e cinzentos é belíssimo, o que me faz pensar que Amélie Poulain e Moulin Rouge não deixam de ser filhotes dessa pequena obra-prima.

Muitos críticos consideram esse filme uma fábula de amor atemporal, reitero suas palavras e acrescento mais: como uma fábula pode ser real? Os guardas-chuvas do amor assim o é.


HASTA!